sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Do crime de não prestação de alimentos - recentes alterações


No transacto dia 2 de Agosto do corrente ano, escrevi aqui que, face ao teor do disposto no art. 250º do Código Penal português, seria possível o alimentante devedor ser condenado a pena de prisão, por violação da obrigação de alimentos, a que estava legalmente adstrito.

Referia o citado artigo que
"quem, estando legalmente obrigado a prestar alimentos e em condições de o fazer, não cumprir a obrigação, pondo em perigo a satisfação sem auxílio de terceiro, das necessidades fiundamentais de quem a eles tem direito, é punido com PENA DE PRISÃO até dois anos ou com pena de multa até 240 dias".

A pena de prisão era pois possível, mas sempre e somente se a violação do dever de prestar alimentos colocasse em perigo a satisfação das necessidades fundamentais do alimentando. Levantavam-se pois aqui relevantes questões probatórias!

Ora,

Com a recentemente publicada Lei nº 61/2008 de 31-10 altera-se não só o regime jurídico do divórcio, mas também o teor do supra enunciado artigo 250º do Código Penal, passando a estabelecer o seu nº 1 que
"quem estando legalmente obrigado a prestar alimentos e em condições de o fazer, não cumprir a obrigação no prazo de dois meses seguintes ao vencimento, é punido com pena de multa até 120 dias".

É aqui notória e clara a intenção do legislador em "reforçar", ao nível da prevenção geral, a não violação da obrigação de alimentos, obrigando o alimentante a cumprir e concedendo maiores garantias de cumprimento ao alimentando.

Note-se que agora já não será necessário que, a falta de cumprimento pelo alimentante devedor, ponha em perigo a satisfação de necessidades fundamentais do alimentando, para que se possa subsumir os factos à prática de um crime de violação da obrigação de alimentos; bastará tão só que o alimentante devedor não cumpra a obrigação no prazo de dois meses seguintes ao seu vencimento! Se não o cumprir nesses dois meses, não será punido com pena de prisão, mas os seus actos não deixarão de consubstanciar a prática do crime previsto no art. 250º do C. Penal, punível com pena de multa e cuja condenação constará de registo criminal.

Não poderá agora o alimentante devedor alegar que, não estão preenchidos todos os elementos do tipo-crime de violação da obrigação de alimentos, porque o alimentando tem meios de subsistência próprios e suficientes para, por si só e sem a ajuda de terceiros, fazer face às suas necessidades fundamentais!

É aqui de louvar o significativo esforço do legislador ao tentar garantir, de forma prática, a efectivação e o real cumprimento do direito a alimentos!

Resta saber se, na prática, o julgador seguirá o mesmo trilho...

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Da insegurança nos tribunais...


Nos dias que actualmente correm, escutam-se e lêem-se, cada vez mais, notícias que não se deveriam ouvir, nem ler...

Magistrados judiciais e do Ministério Público, em Portugal, são injuriados e alvos de tentativas de agressão, dentro das instalações dos tribunais; são perseguidos e ameaçados, no exterior e devido às funções que exercem; os tribunais não estão acima da vontade em delinquir nem dos delinquentes que, sem qualquer pudor ou inibição, praticam furtos no interior dos mesmos, em pleno horário de funcionamento e em áreas cujo acesso ao público deveria ser restrito; assistem-se a actos de insubordinação dentro de salas de audiência; toma-se conhecimento de casos em que indívíduos entram nos Tribunais armados, ameaçando a vida de funcionários, magistrados, advogados e deles próprios. Parece uma mentira daquelas em que não se quer acreditar... mas não é! Nem as instalações dos orgãos policiais estão a salvo!

A "Domus Iustitiae" já não impõe respeito!

A culpa é consequentemente das políticas de contenção adoptadas pelos sucessivos governos (PSD/PS), que paulatinamente têm sustentado o descrédito da Justiça portuguesa, através de sucessivas reformas de cariz economicista.

Para se viver em segurança, num verdadeiro Estado de Direito, é necessário uma JUSTIÇA respeitada. Para existir respeito pela JUSTIÇA ela terá de ser forte, musculada e convicta. Mas não basta sê-lo... tem também que convincentemente demonstrar sê-lo - "à mulher de César não basta ser séria, tem também de o parecer!".

Ora, tudo isto não se consegue com reformas economicistas, mas sim com grandes investimentos.

Em Portugal, urge investir na Justiça e os mais recentes governos (PSD/PS) não o têm feito, rumando em direcção completamente oposta.
Dir-se-á porventura que houve um grande investimento tecnológico... É vero! E foi importantissímo para a modernização da Justiça! Mas não devemos esperar que a tecnologia, na área da Justiça, substitua por completo os meios humanos. Quem aplica as leis são Homens (tendo cada qual o seu valor) e não máquinas. Disso não devem os governos descurar. Para evoluir na Justiça, não podem os governos investir em tecnologia e informatização e esquecer as garantias e o investimento nos meios humanos! Para uma JUSTIÇA forte, tem que haver necessáriamente um reforço dos meios humanos e das garantias que lhes são conferidas ... e não o contrário!

Os tribunais são orgãos de soberania do Estado português. São "os orgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo" e aos quais incumbe "assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática (...)" - art. 202º nº 1 e 2 da CRp.

Entre tais direitos figura o direito à segurança.

Não faz sentido algum que qualquer indivíduo entre nos tribunais, orgão de soberania, sem um mínimo de controlo na identificação. Pergunto-me se nas instalações dos restantes orgãos de soberania - Presidente da República, Assembleia da República e Governo - isso também assim sucederá... Obviamente que não!

Em todos os tribunais portugueses importa criar condições para que haja segurança e, consequentemente, respeito! E soluções eficazes para o efeito nem são de dificuldade acrescida:

- instalar, à entrada de todos os tribunais do país, recepções onde todos teriam de se identificar e especificar ao que iam;

- instalar, em todos os tribunais e junto às recepções, detectores de metais, onde estariam sempre presentes três agentes policiais (sendo que um seria sempre do sexo feminino);

(no fundo, pegar no exemplo do que sucede no Tribunal da Boa-Hora, em Lisboa, e aplicá-lo em todos os tribunais portugueses)

- instalar câmeras de vigilância no interior dos edifícios de todos os tribunais e proceder à sua manutenção, de molde a que estejam em funcionamento 24 horas por dia e com efectiva gravação, fora do horário de funcionamento dos tribunais.

Soluções aparentemente simples, mas que importam um investimento financeiro, por parte do Governo, essencialmente em meios humanos!

Ora, logo se descortina que medida essencial a tomar, e de dificuldade acrescida, será convencer o Governo (seja ele PS ou PSD) a investir, mais e melhor, em meios humanos na área da Justiça, atentas as últimas políticas de contenção a que temos assistido!



segunda-feira, 10 de novembro de 2008

C.E.D.H. - 30 anos de adesão


Portugal congratula-se hoje com os 30 anos de adesão à Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH).

Importante instrumento jurídico na defesa dos direitos, liberdades e garantias, imprescindível em qualquer Estado de Direito que assim se intitule, a CEDH consagra uma série de direitos civis e políticos, ao mesmo tempo que tenta garantir que os próprios Estados a respeitem, criando e gerindo um mecanismo institucional que permita proteger direitos "não teóricos ou ilusórios, mas concretos e efectivos".

Para tal efeito, confia primeiramente que cada um dos Estados, que a ela aderira, terá o cuidado de assegurar a efectivação das garantias e direitos que consagra, concedendo a cada Estado liberdade de apreciação suficiente na aplicação da Convenção e tomando uma postura subsidiária, apenas intervindo as instituições por ela criadas, quando já esgotadas contenciosamente todas as vias de recurso internas.

De facto, foi a 9 de Novembro de 1978 que a Convenção entrou em vigor na ordem jurídica portuguesa.

Mas será que todos os seus ditames são verdadeiramente respeitados pelo Estado Português? Será que o Estado de Direito português reconhece e garante verdadeiramente os direitos e liberdades nela consagradas? Será verdadeiramente aplicada no foro interno ou tal adesão não passou afinal de uma mera ilusão e formalismo de política internacional?

Concretizando um pouco mais, será que o Estado português garante eficazmente e "in facto", por exemplo, o direito a indemnização em virtude de privação ilegal de liberdade, o direito a ser judicialmente julgado em processo equitativo e prazo razoável, o direito à presunção de inocência até trânsito em julgado de decisão judicial de condenação, o direito a dispor do tempo e dos meios necessários à preparação da defesa, o direito a obter o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições que as testemunhas de acusação, o direito ao respeito pela vida privada, domicílio e correspondência, o direito à igualdade entre os cônjuges , o direito à proibição de discriminação?

Analisemos a prática:

- direito a indemnização em virtude de privação de liberdade ilegal ou injustificada, apenas era concedido se ficasse provado que houve erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia. Ora prática corrente era que ficasse provado que houve erro... mas nunca grosseiro e sempre desculpável, não havendo por isso direito a qualquer indemnização.
Hoje, com a última alteração ao CPP, o art. 225º parece tomar uma direcção mais garantista de tal direito, alargando as hipóteses da sua concessão... Restar-nos-á observar como irá o julgador de futuro aplicar (ou não) na prática tal preceito.

- o direito a um processo equitativo e a ser judicalmente julgado num prazo razoável será talvez o ponto negro do incumprimento da CEDH pelo Estado português: não há claramente igualdade de armas entre o Ministério Público e a defesa dos arguidos; parte-se na maior parte das vezes da norma criminal para nela se tentar encaixar factos praticados (ou não) pelo arguido, tomando-se uma postura totalmente acusatória , ao invés de se procurar a verdade material; os processos arrastam-se; os prazos são largamente ultrapassados e quando se requer incidente de aceleração prossessual, logo o mesmo é indeferido, alegadamente por os atrasos se encontrarem devidamente justificados.

- o direito à presunção de inocência é muitas das vezes uma mera formalidade: são os arguidos tratados sempre como culpados; desde os orgãos de polícia criminal, passando pelos orgãos de comunicação social e pelo M.P. e, lastimavelmente, findando em alguns julgadores, o arguido é, logo desde o início do Inquérito, CULPADO! Apenas restará aferir se existe prova, ainda que não seja forte, para o condenar ou não!

- o direito a tempo e meios necessários para a preparação da defesa, assim como o de serem as testemunhas de defesa interrogadas nas mesmas condições que as de acusação é utopia na prática penal em Portugal, assim como o é o principio da paridade de armas entre o MP e a Defesa.! Por regra, o julgador crê como inquestionável a prova produzida pelo MP e desconfia de toda a facultada pelo arguido; à testemunha de acusação o julgador sorri;à de defesa, o julgador cerra os dentes!

- relativamente ao direito à vida privada, ao domicílio e à correspondência, bastará ler algumas decisões de tribunais superiores para realçar a sua clara violação pelos orgãos judiciais portugueses. O mesmo se diga relativamente ao direito à igualdade entre os cônjuges e à não discriminação, num sistema judicial em que a guarda dos filhos menores é maioritáriamente atribuída à figura materna.

É triste que em Portugal, na prática, ainda não vigore verdadeiramente o importante instrumento jurídico que é a CEDH, que consagra verdadeiros direitos, liberdades e garantias de todo o ser humano e que deveria ser directamente aplicada, pelos julgadores, na ordem juridica interna, por força do disposto no art. 8º nº2 da Constituição da República Portuguesa!

Ao fim de 30 anos de adesão, resta agora esperar que o julgador português encare a CEDH como verdadeiro direito material, a aplicar directamente pelos tribunais nacionais e sem necessidade de o comum cidadão ter que interpor recurso para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, contra o Estado Português, por violação das garantias nela consagradas.