segunda-feira, 27 de abril de 2009

Lentidão da Justiça Portuguesa


Há já vários meses que, pelos mais variados motivos, quer do âmbito profissional, quer do âmbito pessoal, não dispunha de tempo para aqui escrever.

Hoje, após recepção no meu escritório da notificação judicial digitalizada e ao lado disponível, não pude inevitávelmente deixar de o fazer...

Dispõe o nº 1 do art.º 6º da CEDH que
"qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá (...) sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela".

A Constituição da República Portuguesa trilha no mesmo sentido, garantido que todo o arguido deve "ser julgado
no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa" - art.º 32º nº 2.

Contudo e apesar do legalmente estipulado, da prevista subordinação do Estado português à Constituição e à Convenção Europeia dos Direitos do Homem (em vigor na ordem jurídica interna desde 9/11/1978), a morosidade da Justiça portuguesa continua a ser a principal causa das condenações de Portugal no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH).

Em 21/05/2007, o jornal online "IOL - Portugal Diário" noticiava que, desde 1984, com o «caso Guincho» (o 1º que levou à condenação de Portugal) o Estado português havia sido condenado em mais 160 processos contra si instaurados junto do TEDH e que já havia pago, até ao momento, cerca de um milhão e setecentos mil euros em indemnizações. As condenações, segundo o referenciado jornal, respeitariam na esmagadora maioria dos casos a atrasos na realização da justiça.

Mais recentemente, de acordo com uma notícia publicada no Jornal de Notícias de 3/10/2008, anunciou-se que
"os números mais recentes do Ministério da Justiça revelam que, em média, os arguidos têm de esperar por uma sentença judicial três anos. Tempo contabilizado desde o momento da abertura do inquérito até à decisão em tribunal".

Ora, afirmar-se que em três anos o arguido vê proferida uma decisão judicial afigura-se pura demagogia por parte do Ministério da Justiça. Quem, na prática, lida com a justiça e conhece os seus meandros, sabe que tal declaração não corresponde à verdade.

Tal média apenas se aceita quando calculada sem "separar o trigo do joío", aglomerando em amálgama toda a forma de processos, não efectuando qualquer distrinça na sua tramitação e onde os processos sumários, sumaríssimos e abreviados vão «absorver» a morosidade excesssiva e irrazoável dos processos comuns.

A justiça portuguesa não tem capacidade (ou diligência suficiente) para emitir decisões judiciais em prazos razoáveis, o que descredibiliza o próprio Estado de Direito! É de lamentar que assim o seja, mas é essa a verdade!

A título de exemplo, na semana passada - 21/04/2009 - fui notificado de que havia sido designado o dia 30/11/2011, às 10H00, para a realização da audiência de julgamento... ou seja... daqui a 2 anos e meio!!!!

(ver imagem em anexo)

Questionando-se o fundamento de tal tardia data ... a Mmª Juiz de Direito, diligentemente, logo esclarece: "
(...) e não antes por indisponibilidade de agenda".

Em 18 meses, dois anos e meio, não existe disponibilidade de agenda para realizar um julgamento com um só arguido e 3 testemunhas????

Dezoito meses dista em muito dos 2 meses «aconselhados» na 2ª parte do art.º 312º nº 1 do CPP... que não passará afinal de letra morta!

A esta realidade acresce ainda o facto de o processo datar de 2004, tendo o arguido sido constituído nessa qualidade em 13/11/2004, data em que foi detido, iniciado inquérito e sujeito a 1º interrogatório judicial!!

Um processo, que nenhuma complexidade revela e que durará, no mínimo, 7 anos até ser proferida sentença judicial. Será legítimo? É inaceitável!

Inaceitável porque ao arguido se nega um direito superior e constitucionalmente consagrado: ser julgado num prazo razoável! Inaceitável porque com essa negação se impõe ao arguido que carregue, no mínimo, durante 7 anos o estigma de ser arguido num processo crime! Inaceitável porque durante esse mesmo irrazoável espaço temporal se sujeita o arguido a deveres inerentes a essa mesma qualidade (Cfr. artigos 61º nº 3 e 196º nº 3 alínea a) e b) do CPP), limitando a plenitude da sua liberdade!

Através documento recepcionado no dia 21/04/2009 e cuja visualização está acessivel através da imagem digitalizada e em anexo, é a minha pessoa igualmente notificada do disposto nos artigos 312º nº 4 do CPP e 155º nº 2 do CPC, ou seja, de que caso eu não possa estar presente na data designada para a realização da audiência de julgamento (30/11/2011), posso no prazo de 5 dias propor datas alternativas.

Ora... deixai-me ver como está a minha agenda daqui a 2 anos e meio... hummm ... curioso... ainda que estranhamente, não tenho nada agendadado! Se tivesse, lá teria que propor datas para meados de 2012...

... se me deixassem - pois está claro - e correndo sempre o risco de ser «acusado» de recorrer a manobras dilatórias para atrasar o rumo do processo, visando a prescrição do procedimento criminal!

Sarcasmo... só com sarcasmo, ironia e bom humor é possível aceitar a triste realidade que se traduz na morosa justiça portuguesa!

A nós, profissionais do foro, resta-nos continuar denunciar a violação sistemática do art.º 6º nº 1 da CEDH, junto do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e aguardar que o Estado português seja, pela milésima vez, condenado a pagar as devidas indemnizações aos lesados (leia-se «arguido»).