domingo, 26 de junho de 2011

Apresentação à Insolvência & pagamento de Taxa de Justiça Inicial


Face ao ambiente que atualmente vive a conjuntura económico-financeira, não apenas a nível europeu mas mundial, são cada vez mais as pessoas (sejam elas coletivas ou singulares) que, lamentavelmente, se veem forçadas a requerer judicialmente que sejam declaradas insolventes.

Em Portugal, os processos de insolvência subiram 5% nos primeiros três meses de 2011 em relação a igual período do ano passado, com o grande contributo sentido no mês de Março.

Atento o disposto no art.º 18º nº 1 e 2 do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), no que às pessoas coletivas diz respeito - e só acerca dessas aqui se discorrerá -, encontram-se as mesmas legalmente obrigadas a requerem "a declaração da sua insolvência dentro dos 60 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência, tal como descrita no nº 1 do art.º 3, ou à data em que devesse conhecê-la".

É uma imposição que o legislador impõe às pessoas coletivas.

"Um comportamento que lhes está normativamente imposto e, por isso, constitui um dever autónomo em sentido técnico próprio"
- in "CIRE Anotado", Luis A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Tomo I, pp 122.

Uma obrigação que as pessoas coletivas terão que cumprir, sob pena de gravosas consequências (quer para as ditas, quer para os seus legais representantes), nomeadamente: presunção da existência de culpa grave na insolvência (art.º 186º nº 3 e 4 do CIRE); qualificação da insolvência como culposa, desencadeando assim um conjunto de pesadas sanções - artº 189º nº 2 do CIRE - e possíveis consequências de carácter criminal (art.º 227º a 229º do Cód. Penal).

Ora,

Face à obrigação legal supra exposta, a que todas as sociedades comerciais no ordenamento jurídico português se encontram adstritas, a solicitação de uma minha cliente, que lamentavelmente se encontrava impossibilitada de cumprir as suas obrigações já vencidas (bem como as vincendas), em 17/11/2010, depois de elaborado, organizado e documentalmente instruído (art.º 23º e 24º do CIRE), na qualidade de Mandatário de determinada sociedade comercial, fiz dar entrada em juízo um requerimento de apresentação à insolvência, junto do Juízo do Comércio de Sintra.

Afigurando-se ser um dos processos que a lei considera como sendo de carácter urgente (art.º 9º nº 1 do CIRE) e face ao exposto nos artigos 27º e 28º do CIRE, estranhou o Advogado ora expoente a demora e a falta de uma qualquer notificação judicial.

Tal não foi o espanto quando, pasme-se, em 19/11/2010, fui notificado para, na qualidade de Mandatário, "no prazo de 10 dias proceder ao pagamento da Taxa de Justiça e junção aos autos do respetivo comprovativo, conforme legalmente estabelecido".

Atento que a requerente da declaração de insolvência era a própria devedora (m/ cliente), uma sociedade comercial que, face ao disposto no art.º 3º nº 1 e 2 do CIRE, se encontrava em situação de insolvência, por isso mesmo, ao abrigo do disposto no art.º 4º nº 1 alínea t) do Regulamento das Custas Processuais (RCP), beneficiava de isenção de custas processuais, não tendo que pagar Taxa de Justiça, não fazia assim qualquer sentido o teor da supra referida notificação.

Aliás, é essa a jurisprudência que sempre tinha e tem sido seguida junto do Juízo do Comércio de Lisboa, estranhando-se assim que junto do Juízo do Comércio de Sintra se escolhesse trilhar caminho oposto!

Tendo diligenciado por contactar os competentes serviços da Secretaria do identificado Juízo Judicial e esclarecer do caracter contra legem da notificação rececionada, fui informado de que o processo se encontrava suspenso, uma vez que não tinha sido paga a Taxa de Justiça Inicial e que a Mm.ª Magistrada daquele Juízo entendia que era legalmente devida, sob pena de desentranhamento dos autos.

Nesse mesmo dia, juntei aos autos requerimento em cujo teor esgrimi os já supra expostos fundamentos, de facto e de direito, e requeri que, não estando a m/ cliente obrigada ao pagamento de Taxa de Justiça, prosseguissem os autos os seus legais trâmites.

Em 02/12/2010, fui então notificado de despacho proferido, em 24/11/2010, pela Exma. Dra. Juiz de Direito daquele Juízo do Comércio, no qual em síntese, a Mm.ª Magistrada surpreendentemente conclui que "decorre da análise conjugada do preceituado no art.º 4º nº 1 alínea t) e do art.º 4º nº 4, ambos do CIRE, que a isenção não se aplica ao próprio processo de insolvência, mas sim a outras ações em que seja parte uma sociedade insolvente" e que "deve pois a requerente pagar a taxa de justiça".

Teria acaso a Mm.ª Juiz omitido a consulta da mais recente jurisprudência dos tribunais superiores, mormente o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11/02/2010 (Relator: Juiz Desembargador Maria José Mouro)?

"Sendo a requerente da declaração de insolvência a própria devedora, uma sociedade comercial, quando da apresentação do requerimento inicial não tem a mesma que proceder ao pagamento da taxa de justiça, atenta a isenção de custas previstas no art.º 4º nº 1 alínea t) do RCP" - esclarece o douto Acordão.

Assim sendo,

Não se conformando a m/ cliente - com toda a legitimidade - com o teor do despacho proferido, em 06/12/2010, foi interposto recurso de Apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, no qual, em síntese, se apresentaram as seguintes conclusões:

"1 – Sendo a requerente da declaração de insolvência a própria devedora, uma sociedade comercial, quando da apresentação do requerimento inicial não tem a mesma que proceder ao pagamento da taxa de justiça, atenta a isenção de custas prevista no artigo 4º nº 1 alínea t) do RCP;
2 – Da conjugação do nº 1 alínea t) e do nº 4 do art.º 4º do RCP não se descortina que tenha de resultar que a isenção, no seu âmbito objetivo, não se aplique ao próprio processo de insolvência, mas sim a outras ações em que a insolvente seja parte – a redação dos preceitos é ampla e abrangente de todo o tipo de processos, salvo aqueles expressamente ressalvados: litígios relativos ao direito do trabalho;
3 – O pressuposto essencial da isenção prevista na alínea t) do nº 1 do art.º 4º do RCP é a verificação, em relação àqueles sujeitos, dos requisitos de apresentação à insolvência, não se exigindo a sua prévia declaração;
4 – A devedora, ora Recorrente, sociedade comercial que se encontra em situação de insolvência – art.º 3º nº 1 e 2 do CIRE – beneficia da isenção de custas prevista na alínea t) do nº 1 do artigo 4º do RCP, em todo o tipo de processos, excetuando os relativos ao direito do trabalho, não estando por isso obrigada ao pagamento da taxa de justiça;
5 – O douto despacho ora recorrido, através da interpretação restritiva adotada pela Mm.ª Juiz a quo, viola a norma prevista no artigo 4º nº 1 alínea t) do RCP."

Distribuído o supra referido Recurso à 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em 15/06/2011, nos termos do art.º 705º do Cód. Processo Civil, foi proferida decisão, julgando a Apelação procedente e, em consequência, revogando a decisão recorrida.

Entendeu a Veneranda Juiz Desembargadora que o Recurso apresentado merecia pois provimento, porquanto aquela questão já havia, de resto, sido estudada e apreciada pelos nossos tribunais superiores, destacando-se o acórdão proferido naquela Relação em 11/02/2010, que seguiria por lhe merecer concordância.

Mais - cingindo-se à lei e sem qualquer surpresa - concluiu a Veneranda Juiz Desembargadora que, cita-se:

"1 - sendo a requerente da declaração de insolvência (devedora) uma sociedade comercial, aquando da apresentação do requerimento inicial não tem a mesma que proceder ao pagamento da taxa de justiça, atenta a isenção de custas prevista no art.º 4º nº 1 al. t) do RCP, que se lhe aplica;
2 - da conjugação da citada al. t) e do nº 4 do art.º 4 do RCP não se vê que tenha de resultar que a isenção, no seu âmbito objectivo, não se aplique aos processos de insolvência pois a redacção das normas é ampla e abrange de todo o tipo de processos, salvo aqueles expressamente ressalvados: litígios relativos ao direito do trabalho;
3 - a letra da lei em nada aponta para a interpretação feita pelo tribunal de 1ª instância, no sentido de que a isenção de custas prevista no art.º 4º nº 1 al. t) do RCP, não tem aplicação no próprio processo de insolvência."

Concluindo: as sociedades comerciais em situação de insolvência, beneficiam de isenção de custas processuais, em todo e qualquer processo (excecionando-se os processos laborais), incluindo no próprio processo de insolvência, não tendo por isso que, no momento da sua apresentação à insolvência, pagar taxa de justiça.

A supra enunciada conclusão é algo que decorre da letra da própria lei e até já havia sido confirmada "pelos nossos tribunais superiores, destacando-se o acordão proferido (...) em 11/02/2010", na Relação de Lisboa.

Mais uma vez se questiona: será que a Mm.ª Juiz de 1ª Instância havia omitido a leitura da jurisprudência mais recente, relativamente à questão sub iudice?

Num processo a que a lei confere carácter de urgência, que se iniciou em 17/11/2010, houve necessidade de interpor um recurso para um tribunal superior e aguardar que, volvidos cerca de sete meses, o mesmo viesse concluir aquilo que era claro e notório, que já havia sido estudado, apreciado e concluído!

Lamentavelmente a surrealidade alcançou a Justiça portuguesa...

...e mais uma vez se vislumbra que, não só de "expedientes meramente dilatórios", de comum uso e abuso por parte dessa "malfadada classe" (leia-se: Advogados), vive a lentidão e a morosidade da Justiça em Portugal!

Com a devida e merecida vénia!