sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Prisão preventiva e sua aplicação desigualitária.

A Justiça em Portugal não anda bem de saúde!

Não me refiro ao estado da Justiça actual porque, em boa verdade, ela nunca funcionou bem e pouco ou nada tem evoluído nos últimos tempos
(positivamente, leia-se). O que mudou foi a informação a que os cidadãos têm acesso e a consciencialização de que algo não corre bem na Justiça em particular e na Democracia em geral! Sucedem-se em catadupa os casos polémicos na Justiça e o cidadão "está lá", constata, vê, interioriza, analisa e forma opinião. É essa a realidade actual e foi essa a evolução... Não foi na Justiça!

Tenho assistido nos últimos tempos a alguma incongruência na aplicação da Justiça. Em boa verdade, este meu primeiro post é um grito de desabafo acerca de algo que há muito me vem sufocando, porque parece que Lei é igual para todos, mas "a ti aplica-se assim, a ti já não se aplica assim e a ti nem sequer se aplica"!

O acima debitado não traduz uma revolta contra os Meretíssimos e Dignos Magistrados Judiciais, que todos os dias tentam aplicar a Lei no seu melhor - dentro das possiblidades que lhes são facultadas. É sim um grito contra o sufoco causado por "politiquices" e jogos de interesse.

A titulo de exemplo, refere-nos o Artigo 204º do Código de Processo Penal (CPP) que são pressupostos da aplicação de qualquer medida de coacção (entre as quais se encontra elencada a figura da prisão preventiva):

a) haver fuga ou perigo de fuga por parte dos arguidos;
b) haver perigo de perturbação do decurso do inquérito - ou seja, das investigações-, nomeadamente perigo para aquisição, conservação ou veracidade da prova;
c) haver perigo de que o arguido perturbe gravemente a ordem e tranquilidade públicas.

Analisando a Justiça actual, deparamo-nos com casos mediáticos em que os Arguidos estão constituidos enquanto tal, são estrangeiros (o que só por si na generalidade dos processos-crime em que fui Mandatário fundamentaria para o Ministério Público o perigo de fuga!) e têm claramente perturbado o inquérito judicial com falsas declarações e contra-informação, utilizando exacerbadamente os "media" como meio para atingir o fim.
Parece-me que inevitavelmente e de acordo com a orientação utilizada pelo M.P. na generalidade dos casos, estariam aqui preenchidos os requisitos e pressupostos das alíneas a) e b) do Artigo 204º do CPP, que fundamentariam a aplicação de uma medida de coacção mais gravosa que o Termo de Identidade e Residência até ao momento aplicado. E note-se que os pressupostos não são de obrigatoriedade cumulativa; basta a constatação da existência de apenas um desses perigos, para estar justificada a aplicação de uma medida de coacção mais gravosa que o TIR.

Dever-se-ia aplicar a prisão preventiva? Isso já dependeria se, além dos pressupostos gerais do Artigo 204º do CPP, estivessem igualmente preenchidos os pressupostos especificos da aplicação da prisão preventiva, previstos no Artigo 202º desse mesmo diploma e mais concretamente, no caso sub iudice, no seu nº 1, ou seja:

a) haver fortes indicios da prática de crime;
b) o crime ser doloso e não cometido por mera negligência;
c) o crime ser punido com pena de prisão de máximo superior a 5 anos.
d) mostrarem-se as restantes medidas de coacção inadequadas ou insuficientes face às exigências cautelares, segundo o princípio da adequação e da necessidade.

Conforme se poderá aferir, teria particular relevância o pressuposto da alínea b) acima descrita para se decidir se era de aplicar ou não a prisão preventiva aos Arguidos, pois os indicios tinham de ser fortes e, ainda assim, se houvesse fortes indicios de crime, mas cometido por mera negligência, a prisão preventiva não era legitimamente aplicável.

Destarte, mesmo que a prisão preventiva não fosse aplicável, não nos poderiamos olvidar de que dois (2) dos pressupostos previstos no Artigo 204º do CPP estariam preenchidos e seria de aplicar uma medida de coacção mais gravosa que o TIR, mais não fosse prestar a simples "Caução", prevista no Artigo 197º do CPP, ou a tão célebre "Obrigação de Apresentação Periódica", prevista no Artigo 198º do mesmo diploma.

O certo é que, parece que isso seria o normal funcionamento da Justiça e não foi seguido! Na generalidade dos casos é... por vezes até em excesso, bastando ao Exmo. Senhor Doutor Juiz de Instrução a existência de indicios da pratica de crime doloso, para decidir pela aplicação da prisão preventiva ao Arguido, sem atender se os indicios são fortes, bastando os haver; no caso em concreto, não o foi!

A questão que indubitávelmente se coloca é: porquê?? Porquê esta aplicação da lei de uma forma desigualitária?

Politiquices... politiquices... e jogos de interesses...

Mas um Estado de Direito Democrático não pode descurar da correcta administração da Justiça que lhe foi incumbida pelo seu Povo e em nome do seu Povo.