domingo, 21 de junho de 2009

Investigação de cibercrime vs devassa da vida privada


Nos dias de hoje, com a generalização do uso da informática e da Internet, são cada vez mais os que encaram como de elevado risco o facto de não existir uma legislação penal específica e especial que se debruçe sobre realidade problemática do "cibercrime", cabendo ao julgador integrar as lacunas da lei, com normas aplicáveis a casos análogos.

Em boa verdade, um simples virús pode destruir todo o conteúdo de importantes bases de dados.

Um
"trojan" mais expedito poderá fornecer os seus dados mais valiosos (nomeadamente dados de acesso a contas bancárias através do sistema E-Bank) a delinquentes que se escondem atrás da imensa "teia" (net) de ligações cibernéticas.

Um criminoso mais afoito poderá tentar evoluir no sentido de apagar ou destruir todos (ou parte) dos dados integrados no sistema electrónico de Justiça! Quem trabalha com o
Citius, sabe que o sistema não é totalmente seguro, existindo mesmo magistrados que se recusam a utilizar tal sistema informático! A ser bem sucedido um "apagão" geral consubstanciaria-se num imenso caos cujas consequências mais nefastas ninguém ao certo conseguiria precisar!

Urge que a legislação acompanhe a evolução da sociedade e a inerente e inevitável informatização de dados. Urge a criação de meios legislativos e processuais claros e eficazes na protecção de dados informatizados e no combate ao crime cibernético!

Apesar de tudo, foi com grande estupefacção que hoje li aqui que

"Para combater o crime informático, o Governo vai brevemente aprovar um proposta de lei que prevê a possibilidade das polícias interceptarem, sem prévia autorização de juiz, os dados de tráfego e os conteúdos de comunicação inseridos em sistemas informáticos sob suspeita criminal. Os operadores vão ficar obrigados a colaborar com as autoridades".

A ser verdade, tal diploma seria naturalmente inconstitucional por violador da garantia de reserva da intimidade da vida privada e da inviolabilidade do sigilo dos meios de comunicação privada. Um atropelo aos princípios dos artigos 26º e 34º nº 1 e 4 da CRP. Um atropelo ao disposto no art.º 8º da CEDH.

Um
gravíssimo atropelo ao Estado de Direito Democrático!

Com efeito, não poderá o legislador criar mecanismos de investigação criminal, desacautelando direitos e garantias dos cidadãos, constitucionalmente consagrados, escudando-se para tal num pretenso aumento de eficácia da lei de investigação criminal contra o cibercrime!

O combate ao cibercrime sempre terá de ser dirigido noutro sentido! O rumo deverá ser sempre o do respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos!

Quem garante que será esse o rumo tomado?

O Mmº Juiz de Instrução Criminal! É ele que tem a incumbência de previamente fiscalizar se a intromissão na vida privada se justifica e está devidamente fundamentada, nos termos da lei, sendo por isso totalmente repudiável que um qualquer diploma legal venha permitir que os orgãos de polícia criminal e o Ministério Público acessem a dados informáticos privados sem prévio mandado judicial para o efeito!

Fiquei pois feliz ao consultar a referida Proposta de Lei e constatar que, afinal, tal notícia era completamente disparatada! Coisas de jornalistas...

Em bom rigor, no art.º 20º de tal iniciativa legislativa, sob a epígrafe intitulada "Intercepção de comunicações" prevê-se o seguinte:

1 - A intercepção e o registo de transmissões de dados informáticos só podem ser autorizados durante o inquérito se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter, por despacho fundamentado do juiz de instrução e mediante requerimento do Ministério Público.

2 - A intercepção pode destinar-se ao registo de dados relativos ao conteúdo das comunicações ou visar apenas a recolha e registo de dados de tráfego, devendo o despacho referido no número anterior especificar o respectivo âmbito, de acordo com as necessidades concretas da investigação.

3 - No demais, é aplicável à intercepção e registo de transmissões de dados informáticos o regime da intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas constante dos artigos 187.º, 188.º e 190.º do Código de Processo Penal.


Posteriormente, fonte do Ministério Público veio já desmentir a veracidade de tal notícia frizando que "vai continuar a ser necessária uma autorização de um juiz antes de serem feitas buscas informáticas".

Menos mal... Como violações de liberdades já nos bastam os "chips nas matrículas" e o livre acesso das autoridades policiais ao Registo Individual do Condutor...