quinta-feira, 14 de abril de 2011

Das Custas Processuais e do Acesso ao Direito e aos Tribunais


Recentemente, em 13/04/2011, foi publicado no Diário da República o Decreto-Lei n.º 52/2011. D.R. n.º 73, Série I, que altera o Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro (e o Código de Processo Civil) e que entrará em vigor a partir do dia 13/05/2011.

Segundo Nota do Gabinete de Imprensa do Ministério da Justiça:

"Trata-se de um importante instrumento de simplificação legislativa, que actualiza as custas processuais sem pôr em causa o acesso à Justiça por parte de pessoas com menos recursos. O Regulamento reparte de forma mais equitativa os custos da Justiça, onerando mais os grandes litigantes no recurso aos tribunais e não as pequenas e médias empresas, nem os cidadãos".

Contudo e em boa verdade, da leitura do citado diploma legal, depressa concluiremos que o objectivo primário de tais alterações não é a prioridade do acesso à Justiça...

Passando à análise do decreto.

- Pagamento de taxa de justiça em duas prestações

Uma das alterações produzidas ao Regulamento das Custas Processuais foi que, segundo o Ministério da Justiça,
"para facilitar o acesso à Justiça das pessoas e organizações com menos recursos," a taxa de justiça "passa a ser paga em duas prestações".

Ora,

Tal alteração mais não é que a simples repristinação da revogada regra presente nos artigos 22º e seguintes do antigo Código das Custas Judiciais.

Ou seja:

- em 2008, o legislador revogou a regra do pagamento da taxa de justiça em dois momentos processuais e exigiu que a a mesma passasse a ser paga, na totalidade, em um só momento, revelando-se tal exigência deveras injusta e incapacitante no acesso à Justiça por parte daqueles que menos recursos económicos têm;

- volvidos 3 anos, o legislador vem confirmar a injustiça da anterior alteração e, num verdadeiro "volte-face", veio repristinar a antiga regra do pagamento dual da taxa de justiça.

Como se facilmente se discorre, nada de novo veio assim o legislador implantar. Veio tão só corrigir um seu anterior erro!

Aliás, mesmo sem a repristinação da antiga regra do revogado Código das Custas Judiciais, ao abrigo e
nos termos do art.º 44º nº 2 da Portaria nº 419-A/2009, até 31-12-2010, ainda foi possível o pagamento da taxa de justiça em duas prestações...

Como se vê... nada de novo!

Além disso, relendo o diploma, parece que desta feita o legislador, ao represtinar a antiga regra do pagamento dual da taxa, se olvidou de fixar o prazo no qual é devida a 2ª prestação... Se é certo que anteriormente se deveria pagar a taxa subsequente no prazo de 10 dias a contar da notificação para a audiência final, agora ficamos sem saber até quando podemos pagar a 2ª prestação da taxa de justiça.

- Desconto nas taxas de justiça por utilização dos meios electrónicos

Outra das alterações que surgiu com este novo diploma é que quem opte por apresentar todas as peças e requerimentos processuais através do recurso aos meios electrónicos (
CITIUS), beneficiará de um desconto de 10% no valor da taxa de justiça.

Ora, sejamos honestos e leais para com os cidadãos!

A verdade é que, antes das alterações sub iudice, quem para entregar a 1ª peça processual fizesse uso dos meios electrónicos, beneficiava de um desconto de 25% no valor total da taxa de justiça devida e não estava obrigado ao uso de tais meios em todas as peças processuais
(art.º 6 nº 4 RCP)...

Em bom rigor, o cidadão que opte pelo uso dos meios electrónicos viu o desconto ser reduzido de 25% para 10% e ainda ficou obrigado a usar sempre tais meios, sob a pena de o desconto passar a ser ... 0%!

Ou seja, com as recentes alterações ao RCP, o legislador encareceu o valor da taxa de justiça , o que - ao invés de facilitar e contrariamente ao que se anuncia - dificulta assim o acesso dos cidadãos à Justiça e aos tribunais...

- Taxa de justiça para reclamações, pedidos de rectificação, de esclarecimento e de reforma da sentença

Com as actuais alterações ao RCP, o legislador alterou também as tabelas que lhe estão anexas,
"no sentido de prevêr algumas situações que estavam omissas" no pagamento de custas processuais.

Por exemplo, se antes qualquer sujeito processual, face a eventuais vícios de decisão judicial (erros materiais, nulidades, obscuridade, ambiguidade, etc..), poderia requerer que a mesma fosse legitimamente rectificada, esclarecida, aclarada ou reformada, sem que para isso tivesse que pagar taxa de justiça, agora terá que despender de € 25,50 a € 306,00 para o efeito.

Será esta medida destinada a facilitar o acesso dos cidadãos ao direito e à Justiça? Obviamente que não!

Fará algum sentido que, por exemplo, ao abrigo do disposto no
nº 1 do art.º 31º do próprio RCP, para se reclamar ou se pedir a reforma de uma conta de liquidação de custas judiciais, que apresenta claros e notórios erros materiais, o sujeito processual responsável pelo pagamento tenha ainda que pagar taxa de justiça para o efeito?

Haja bom senso por parte do legislador e não se tente coarctar nem limitar o direito à Justiça e à democracia!

Não seria então mais razoável e justo o pagamento de tal taxa após decisão que negue razão ao sujeito processual no pedido que efectuou, desonerando-se assim desse encargo processual todos aqueles a quem assista razão nas rectificações, aclarações e reformas que requereram?