sábado, 20 de dezembro de 2008

Assimetrias na Justiça ibérica


Há umas semanas atrás, li
aqui que o Tribunal Supremo espanhol havia condenado a empresa do Metro de Madrid ao pagamento de uma indemnização no montante de 181.169,00 Euros, considerando a companhia responsável pela falta de segurança nas suas instalações, apesar de ter encomendado esse serviço a outra empresa e, consequentemente, responsável, perante o cidadão (autor do pedido indemnizatório) que fora agredido por dois desconhecidos no interior de uma das estações de metro da capital espanhola.

Ainda segundo a mesma notícia, na sentencia «os juízes recordaram ainda o caso de uma sentença semelhante, de 2004, sobre o assassínio de uma passageira no metro de Barcelona (...). Nesse caso, o tribunal estabeleceu que a companhia de transportes "deve velar" pela segurança "dos espaços que formam parte das estações construídas", sem "prejuízo das funções de vigilância que realizam as Forças de Segurança nas áreas públicas para que ninguém sofra qualquer tipo de dano".»

Atento o conteúdo da decisão judicial em causa (a acreditar na notícia!) é deveras curioso o teor da sua fundamentação e o valor do montante indemnizatório sentenciado pelos Meretíssimos Juizes del Tribunal Supremo de España, comparando com jurisprudência dos tribunais portugueses, relativa a responsabilização civil extra-contratual.

Primeiramente e desde logo, é de louvar a atitude justa e corajosa dos magistrados espanhois ao não transigirem perante lobbies e pressões de grandes empresas, de sustentável poderio económico, e julgarem em conformidade com a lei e os deveres de Justiça a que estão adstritos.

Faltará, por vezes, um pouco dessa coragem , imparcialidade e distanciamento nos tribunais portugueses, de tal modo que se assiste, não raros os casos, a duas Justiças formalmente iguais mas , na prática, em tudo distintas: a dos que tudo podem e a dos que se limitam a ver os outros tudo poder! E quando existe essa coragem, ela não é apoiada a nível institucional e de segurança...

Pena que assim o seja... Descredibiliza a JUSTIÇA aos olhos de quem a ela tem direito e em nome de quem a mesma deveria ser administrada...

Depois, é notória a desproporcionalidade de valores indemnizatórios judicialmente sentenciados em Espanha e em Portugal.

NUNCA em Portugal, qualquer Tribunal de 1ª Instância, qualquer Tribunal de Relação ou o STJ, decidiriam no sentido de atribuir ao lesado tal montante!!

Nem a lesão MORTE, a meu ver a mais grave de todas as lesões (que não foi a do caso espanhol), convenceria qualquer tribunal português a condenar o Réu a pagar, ao lesado, indemnização de valor pecuniário igual (veja-se por exemplo o "Caso Aquaparque")!

Lida a notícia, depressa relembrei um processo judicial, que correu termos no Tribunal Judicial de Oeiras e em que patrocinei a lesada.

Tratava-se, em súmula, de processo criminal em que a arguida vinha acusada de um crime de ofensas à integridade física grave por, astuciosamente e movida por sentimento de vingança passional, ter convencido a lesada a dirigir-se a sua casa, ter esperado por ela no cimo das escadas e, de lá, ter lançado àgua a ferver sobre a lesada, causando-lhe:

-queimaduras de 1º, 2º e 3º graus, na face, no tronco e nos membros superiores;
- como sequelas das queimaduras, manchas de hiperpigmentação na face anterior do tórax, em toda a extensão do terço superior e nos quadrantes superiores internos de ambas as mamas;

- deformidade notável e permanente ao nível do ombro direito, com uma cicatriz com coloide em forma de “L”, com as dimensões de 06,00x13,00 cm;

- 30 dias de doença, todos com incapacidade para o trabalho;

- muitas dores.


Ora, a lesada havia-se constituido assistente nos autos e deduzido pedido de indemnização cível no valor de € 15.000,00, a título de danos não patrimoniais causados pela arguida.

Na douta sentença tomou o Exmo. Juiz de Direito como provada toda a matéria de facto e de direito da Acusação Pública e do pedido de indemnização civel, assim como, indubitávelmente provado que a arguida era responsável pelos danos não patrimoniais sofridos pela assistente/demandante. Atenta a fundamentação, sentenciou a arguida a pagar à lesada, a título de danos não patrimoniais, o montante de € 1.500,00, absolvendo-a do demais peticionado a esse título.

Face ao desvalor da conduta e ao seu resultado imensamente danoso, o valor fixado pelo Mmº Juiz de Direito afigurou-se irrisório e seria até visto pelo arguida como um prémio perante o seu ilícito:afinal valia a pena queimar outro ser humano, sem qualquer motivo e de forma vil e torpe! Não lhe sairía assim tão caro! A indemnização não ressarcia, nem prevenia!

Incrédulos e inconformados com o valor da indemnização arbitrada na douta sentença, a assistente e eu próprio, da mesma interpusemos recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, sustentando e pedindo a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que fixasse em € 10.000,00 o montante da indemnização.

Em 13/03/2008 (quase um ano após a data de interposição do recurso), os Venerandos Juizes Desembargadores, entendendo que tendo presente a factualidade provada, afigurava-se pecar por defeito a importância fixada na decisão recorrida e que contrastava flagrantemente com os padrões indemnizatórios geralmente adoptados pela jurisprudência, decidiram conceder provimento ao recurso interposto, fixando em € 10.000,00 a indemnização em que a arguida foi condenada pelo tribunal "a quo", a título de danos não patrimoniais.

Analisando e concluindo:

- A justiça espanhola fixou em mais de € 180.000,00 uma indemnização por danos não patrimoniais referentes a uma agressão, a pagar por uma entidade que negligenciou nos deveres de segurança que estava adstrita a proporcionar nas suas instalações. Não se conhecem danos de maior gravidade no lesado...

- A justiça portuguesa, face ao pedido de € 15.000,00 euros, a título de danos não patrimoniais graves e irreparáveis, causados pela arguida que (conforme ficou provado) praticou um crime de ofensas à integridade física grave contra a demandante, primeiro e incompreensívelmente, fixa o valor da indemnização apenas em € 1.500,00, considerando que assim é feita a acostumada Justiça e depois, após competente e sustentado recurso para tribunal superior, fixa tal montante em € 10.000,00.

De € 10.000,00 para € 180.000,00 parece-me haver uma grande distância... E a desproporcionalidade de valores ainda surpreende mais se tomarmos em conta as lesões sofridas em ambos os casos...

Assimetrias reais de duas Justiças vizinhas, mas ao mesmo tempo tão distantes uma da outra...

É a Justiça que temos... e que, em análise e ironizando, nos faz cogitar que, se algum dia soubessemos que iamos inevitavelmente ser agredidos ou queimados...

... mais valeria que o fossemos em Espanha!

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

"Alimentos gravídicos"


aqui tinha comparado, em parte, a eficácia e a concretização prática do direito a alimentos no ordenamento jurídico português, em relação ao brasileiro.

Sucede que, muito recentemente, o direito a alimentos evoluiu na legislação brasileira, ao entrar em vigôr a Lei nº 11.804 de 5 de Novembro de 2008.

Esta nova lei vem disciplinar o "direito a alimentos da mulher gestante e a forma como será exercido", ou seja, os "alimentos gravídicos", devidos ao nascituro e recebidos pela gestante, sendo que tais alimentos compreenderão "os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes à alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo médico, além de outras que o juiz considere pertinentes".

O futuro pai ficará então obrigado a contribuir, face ás despesas ocasionadas pela gravidez e inerentes condição de gestante, na proporção dos seus recursos económicos, face às necessidades da mulher grávida, bastando para tal a existência de indícios da paternidade.

Parece-me uma posição jurídica extremamente justa, tomada pelo legislador brasileiro.

A concepção de uma vida humana tem por regra (que lógicamente não exclui excepções) implícito um acto sexual, praticado por dois indíviduos de sexo diferente. Sendo assim, se para a concepção de uma vida contribuiram, homem e mulher, de igual modo deverão ambos ser responsabilizados por todas as despesas, decorrentes de tal facto e inerentes à gestação. Não é justo onerar apenas a mulher gestante (por vezes, economicamente, a parte mais desprotegida) com tais encargos!

A obrigação de prestar alimentos aos filhos inicia-se assim, não com o nascimento, completo e com vida, mas com a própria concepção do nascituro.Com a concepção nasce a obrigação de prestar "alimentos gravídicos", até ao nascimento com vida.

A partir de tal momento, tal prestação é automáticamente convertida em pensão de alimentos devidos a menor, a qual deverá ser revista (a pedido de uma das partes), uma vez que na sua razão de ser estarão subjacentes outras necessidades (educação, vestuário, actividades extra-curriculares, etc.) e naturalmente outros encargos.

Se por um lado se afigura justa, como já se disse, a posição jurídica, por outro, há que prever e questionar as controvérsias jurídicas a que pode dar azo o legislado na Lei nº 11.804.

Por exemplo, se os alimentos são devidos desde a concepção, poderemos subsumir que o legislador entende existir vida humana a partir da concepção? E que consequências retirar dessa subsunção ao nível da protecção juridico-penal conferida ao bem vida?

(note-se que, actualmente, a doutrina e jurisprudência portuguesa, assim como grande parte da restante em Direito Comparado, vai no sentido de que existe vida intra-uterina a partir do momento da nidação do zigoto no útero - que se verificará, em regra, no 13º dia após a fecundação - e vida humana a partir do acto de nascimento - quando se iniciam contracções ritmadas, intensas e frequentes que previsivelmente conduzirão à expulsão do feto)

Outra situação controversa que poderá surgir e que, aparentemente, não se afigura ainda solucionada, parece ser o facto de que, se para serem fixados e atribuídos "alimentos gravídicos", bastará existirem indícios (fortes presumo!) da paternidade, não sendo assim necessária a prévia certeza confirmada da paternidade, posteriormente quando for junto aos autos o resultado negativo de tal paternidade, como restituir ao "falso pai" aquilo que ele já prestou à gestante a título de alimentos? Terá ele direito de regresso, relativo tais montantes, sobre a gestante, a título de enriquecimento sem causa? Ou será sobre o verdadeiro pai? E como será ressarcido dos danos não patrimoniais injustamente causados pela autora do pedido de alimentos?

Estas parecem ser importantes e pertinentes questões a cogitar e a resolver pela judicatura brasileira!

Por cá, em Portugal, temos algo parecido: o art. 1884º do Cód. Civil, que prevê "alimentos à mãe". Mas não tenho conhecimento que seja prática comum o pedido de alimentos relativos ao período de gravidez...

Além disso, o preceito legal em questão tem como âmbito subjectivo o "pai não unido pelo património à mãe do filho"... Então e se estiver unido pelo matrimónio, mas separado de facto, da mãe do filho? Essa mãe gestante, incoerentemente, já não tem direito a "alimentos gravíticos"? Ou estará ele compreendido no dever de assistência, previsto no art. 1675º do Cód. Civil? -vide nº 2.

Há ainda que suscitar, junto do meio jurídico, em geral, e do legislador, em particular, a questão da pertinência e da justiça no reconhecimento do direito a "alimentos gravíticos", a prestar à gestante, e fazer uma análise minuciosa e cuidada da realidade jurídica que temos e aquela que, o fluir e a dinâmica nas relações sociais, proclamam!

Resta aguardar, com serenidade, por tal evolução na prática jurídica...


sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Do crime de não prestação de alimentos - recentes alterações


No transacto dia 2 de Agosto do corrente ano, escrevi aqui que, face ao teor do disposto no art. 250º do Código Penal português, seria possível o alimentante devedor ser condenado a pena de prisão, por violação da obrigação de alimentos, a que estava legalmente adstrito.

Referia o citado artigo que
"quem, estando legalmente obrigado a prestar alimentos e em condições de o fazer, não cumprir a obrigação, pondo em perigo a satisfação sem auxílio de terceiro, das necessidades fiundamentais de quem a eles tem direito, é punido com PENA DE PRISÃO até dois anos ou com pena de multa até 240 dias".

A pena de prisão era pois possível, mas sempre e somente se a violação do dever de prestar alimentos colocasse em perigo a satisfação das necessidades fundamentais do alimentando. Levantavam-se pois aqui relevantes questões probatórias!

Ora,

Com a recentemente publicada Lei nº 61/2008 de 31-10 altera-se não só o regime jurídico do divórcio, mas também o teor do supra enunciado artigo 250º do Código Penal, passando a estabelecer o seu nº 1 que
"quem estando legalmente obrigado a prestar alimentos e em condições de o fazer, não cumprir a obrigação no prazo de dois meses seguintes ao vencimento, é punido com pena de multa até 120 dias".

É aqui notória e clara a intenção do legislador em "reforçar", ao nível da prevenção geral, a não violação da obrigação de alimentos, obrigando o alimentante a cumprir e concedendo maiores garantias de cumprimento ao alimentando.

Note-se que agora já não será necessário que, a falta de cumprimento pelo alimentante devedor, ponha em perigo a satisfação de necessidades fundamentais do alimentando, para que se possa subsumir os factos à prática de um crime de violação da obrigação de alimentos; bastará tão só que o alimentante devedor não cumpra a obrigação no prazo de dois meses seguintes ao seu vencimento! Se não o cumprir nesses dois meses, não será punido com pena de prisão, mas os seus actos não deixarão de consubstanciar a prática do crime previsto no art. 250º do C. Penal, punível com pena de multa e cuja condenação constará de registo criminal.

Não poderá agora o alimentante devedor alegar que, não estão preenchidos todos os elementos do tipo-crime de violação da obrigação de alimentos, porque o alimentando tem meios de subsistência próprios e suficientes para, por si só e sem a ajuda de terceiros, fazer face às suas necessidades fundamentais!

É aqui de louvar o significativo esforço do legislador ao tentar garantir, de forma prática, a efectivação e o real cumprimento do direito a alimentos!

Resta saber se, na prática, o julgador seguirá o mesmo trilho...

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Da insegurança nos tribunais...


Nos dias que actualmente correm, escutam-se e lêem-se, cada vez mais, notícias que não se deveriam ouvir, nem ler...

Magistrados judiciais e do Ministério Público, em Portugal, são injuriados e alvos de tentativas de agressão, dentro das instalações dos tribunais; são perseguidos e ameaçados, no exterior e devido às funções que exercem; os tribunais não estão acima da vontade em delinquir nem dos delinquentes que, sem qualquer pudor ou inibição, praticam furtos no interior dos mesmos, em pleno horário de funcionamento e em áreas cujo acesso ao público deveria ser restrito; assistem-se a actos de insubordinação dentro de salas de audiência; toma-se conhecimento de casos em que indívíduos entram nos Tribunais armados, ameaçando a vida de funcionários, magistrados, advogados e deles próprios. Parece uma mentira daquelas em que não se quer acreditar... mas não é! Nem as instalações dos orgãos policiais estão a salvo!

A "Domus Iustitiae" já não impõe respeito!

A culpa é consequentemente das políticas de contenção adoptadas pelos sucessivos governos (PSD/PS), que paulatinamente têm sustentado o descrédito da Justiça portuguesa, através de sucessivas reformas de cariz economicista.

Para se viver em segurança, num verdadeiro Estado de Direito, é necessário uma JUSTIÇA respeitada. Para existir respeito pela JUSTIÇA ela terá de ser forte, musculada e convicta. Mas não basta sê-lo... tem também que convincentemente demonstrar sê-lo - "à mulher de César não basta ser séria, tem também de o parecer!".

Ora, tudo isto não se consegue com reformas economicistas, mas sim com grandes investimentos.

Em Portugal, urge investir na Justiça e os mais recentes governos (PSD/PS) não o têm feito, rumando em direcção completamente oposta.
Dir-se-á porventura que houve um grande investimento tecnológico... É vero! E foi importantissímo para a modernização da Justiça! Mas não devemos esperar que a tecnologia, na área da Justiça, substitua por completo os meios humanos. Quem aplica as leis são Homens (tendo cada qual o seu valor) e não máquinas. Disso não devem os governos descurar. Para evoluir na Justiça, não podem os governos investir em tecnologia e informatização e esquecer as garantias e o investimento nos meios humanos! Para uma JUSTIÇA forte, tem que haver necessáriamente um reforço dos meios humanos e das garantias que lhes são conferidas ... e não o contrário!

Os tribunais são orgãos de soberania do Estado português. São "os orgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo" e aos quais incumbe "assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática (...)" - art. 202º nº 1 e 2 da CRp.

Entre tais direitos figura o direito à segurança.

Não faz sentido algum que qualquer indivíduo entre nos tribunais, orgão de soberania, sem um mínimo de controlo na identificação. Pergunto-me se nas instalações dos restantes orgãos de soberania - Presidente da República, Assembleia da República e Governo - isso também assim sucederá... Obviamente que não!

Em todos os tribunais portugueses importa criar condições para que haja segurança e, consequentemente, respeito! E soluções eficazes para o efeito nem são de dificuldade acrescida:

- instalar, à entrada de todos os tribunais do país, recepções onde todos teriam de se identificar e especificar ao que iam;

- instalar, em todos os tribunais e junto às recepções, detectores de metais, onde estariam sempre presentes três agentes policiais (sendo que um seria sempre do sexo feminino);

(no fundo, pegar no exemplo do que sucede no Tribunal da Boa-Hora, em Lisboa, e aplicá-lo em todos os tribunais portugueses)

- instalar câmeras de vigilância no interior dos edifícios de todos os tribunais e proceder à sua manutenção, de molde a que estejam em funcionamento 24 horas por dia e com efectiva gravação, fora do horário de funcionamento dos tribunais.

Soluções aparentemente simples, mas que importam um investimento financeiro, por parte do Governo, essencialmente em meios humanos!

Ora, logo se descortina que medida essencial a tomar, e de dificuldade acrescida, será convencer o Governo (seja ele PS ou PSD) a investir, mais e melhor, em meios humanos na área da Justiça, atentas as últimas políticas de contenção a que temos assistido!



segunda-feira, 10 de novembro de 2008

C.E.D.H. - 30 anos de adesão


Portugal congratula-se hoje com os 30 anos de adesão à Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH).

Importante instrumento jurídico na defesa dos direitos, liberdades e garantias, imprescindível em qualquer Estado de Direito que assim se intitule, a CEDH consagra uma série de direitos civis e políticos, ao mesmo tempo que tenta garantir que os próprios Estados a respeitem, criando e gerindo um mecanismo institucional que permita proteger direitos "não teóricos ou ilusórios, mas concretos e efectivos".

Para tal efeito, confia primeiramente que cada um dos Estados, que a ela aderira, terá o cuidado de assegurar a efectivação das garantias e direitos que consagra, concedendo a cada Estado liberdade de apreciação suficiente na aplicação da Convenção e tomando uma postura subsidiária, apenas intervindo as instituições por ela criadas, quando já esgotadas contenciosamente todas as vias de recurso internas.

De facto, foi a 9 de Novembro de 1978 que a Convenção entrou em vigor na ordem jurídica portuguesa.

Mas será que todos os seus ditames são verdadeiramente respeitados pelo Estado Português? Será que o Estado de Direito português reconhece e garante verdadeiramente os direitos e liberdades nela consagradas? Será verdadeiramente aplicada no foro interno ou tal adesão não passou afinal de uma mera ilusão e formalismo de política internacional?

Concretizando um pouco mais, será que o Estado português garante eficazmente e "in facto", por exemplo, o direito a indemnização em virtude de privação ilegal de liberdade, o direito a ser judicialmente julgado em processo equitativo e prazo razoável, o direito à presunção de inocência até trânsito em julgado de decisão judicial de condenação, o direito a dispor do tempo e dos meios necessários à preparação da defesa, o direito a obter o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições que as testemunhas de acusação, o direito ao respeito pela vida privada, domicílio e correspondência, o direito à igualdade entre os cônjuges , o direito à proibição de discriminação?

Analisemos a prática:

- direito a indemnização em virtude de privação de liberdade ilegal ou injustificada, apenas era concedido se ficasse provado que houve erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia. Ora prática corrente era que ficasse provado que houve erro... mas nunca grosseiro e sempre desculpável, não havendo por isso direito a qualquer indemnização.
Hoje, com a última alteração ao CPP, o art. 225º parece tomar uma direcção mais garantista de tal direito, alargando as hipóteses da sua concessão... Restar-nos-á observar como irá o julgador de futuro aplicar (ou não) na prática tal preceito.

- o direito a um processo equitativo e a ser judicalmente julgado num prazo razoável será talvez o ponto negro do incumprimento da CEDH pelo Estado português: não há claramente igualdade de armas entre o Ministério Público e a defesa dos arguidos; parte-se na maior parte das vezes da norma criminal para nela se tentar encaixar factos praticados (ou não) pelo arguido, tomando-se uma postura totalmente acusatória , ao invés de se procurar a verdade material; os processos arrastam-se; os prazos são largamente ultrapassados e quando se requer incidente de aceleração prossessual, logo o mesmo é indeferido, alegadamente por os atrasos se encontrarem devidamente justificados.

- o direito à presunção de inocência é muitas das vezes uma mera formalidade: são os arguidos tratados sempre como culpados; desde os orgãos de polícia criminal, passando pelos orgãos de comunicação social e pelo M.P. e, lastimavelmente, findando em alguns julgadores, o arguido é, logo desde o início do Inquérito, CULPADO! Apenas restará aferir se existe prova, ainda que não seja forte, para o condenar ou não!

- o direito a tempo e meios necessários para a preparação da defesa, assim como o de serem as testemunhas de defesa interrogadas nas mesmas condições que as de acusação é utopia na prática penal em Portugal, assim como o é o principio da paridade de armas entre o MP e a Defesa.! Por regra, o julgador crê como inquestionável a prova produzida pelo MP e desconfia de toda a facultada pelo arguido; à testemunha de acusação o julgador sorri;à de defesa, o julgador cerra os dentes!

- relativamente ao direito à vida privada, ao domicílio e à correspondência, bastará ler algumas decisões de tribunais superiores para realçar a sua clara violação pelos orgãos judiciais portugueses. O mesmo se diga relativamente ao direito à igualdade entre os cônjuges e à não discriminação, num sistema judicial em que a guarda dos filhos menores é maioritáriamente atribuída à figura materna.

É triste que em Portugal, na prática, ainda não vigore verdadeiramente o importante instrumento jurídico que é a CEDH, que consagra verdadeiros direitos, liberdades e garantias de todo o ser humano e que deveria ser directamente aplicada, pelos julgadores, na ordem juridica interna, por força do disposto no art. 8º nº2 da Constituição da República Portuguesa!

Ao fim de 30 anos de adesão, resta agora esperar que o julgador português encare a CEDH como verdadeiro direito material, a aplicar directamente pelos tribunais nacionais e sem necessidade de o comum cidadão ter que interpor recurso para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, contra o Estado Português, por violação das garantias nela consagradas.


quinta-feira, 9 de outubro de 2008

"Pena de Morte" - apontamentos

Amanhã, 10 de Outubro,é assinalado mais um "Dia Mundial Contra a Pena de Morte".

Iniciado pela "World Coalition Against Death Penalty" (Coligação Mundial Contra a Pena de Morte), em 2003, o assinalar deste dia visa, essencialmente, sensibilizar Organizações, Estados, Nações e cidadãos para o respeito pelo valor e bem fundamental que é a vida humana e para a necessidade de abolir, definitivamente, a pena capital e as execuções, em todos os ordenamentos jurídicos.


Este ano, os olhos estão virados para a Àsia onde, de acordo com dados recolhidos pela Amnistia Internacional, ocorreram pelo menos 664 execuções, - apenas no ano de 2007 - e se estima que lá se verifiquem cerca de 85% a 95% de todas as execuções verificadas no mundo.

"Asia: é tempo de acabar com as execuções"!

O direito à vida é de todos e inalienável; todos devemos assinar pelo seu reconhecimento! Porque esta causa é de todos, desde já aqui deixo link para a Petição OnLine!

Devo confessar que, no geral, tenho orgulho em ser português, mas nesta matéria sou até vaidoso pela nacionalidade que detenho.
Portugal foi um dos países pioneiros relativamente à abolição da pena de morte: em 1852 foi abolida a pena capital pela prática de crime político e em 1 de Julho de 1867 foi, finalmente, abolida relativamente a todos os crimes (excepto os militares, para os quais a abolição apenas surgiu em 1911). Note-se que Portugal aboliu a pena de morte muito antes da, grande defensora dos direitos e liberdades, França (1981).

"Está pois a pena de morte abolida nesse nobre Portugal, pequeno povo que tem uma grande história. (...) Felicito a vossa nação. Portugal dá o exemplo à Europa. Desfrutai de antemão essa imensa glória. A Europa imitará Portugal. Morte à morte! Guerra à guerra! Viva a vida! Ódio ao ódio. A liberdade é uma cidade imensa da qual todos somos concidadãos" - referia Victor Hugo, em 1876, a propósito da abolição da pena capital em Portugal.

De facto, em Portugal, mesmo antes de abolida a pena de morte, já se havia renunciado à sua execução, sendo que remonta a 1 de Julho de 1772 a data em que é executada pela última vez uma mulher ("Luísa de Jesus foi executada, em Coimbra, aos 22 anos de idade por ter assassinado 33 bebés abandonados, que ela ia buscar à "roda" de Coimbra, umas vezes usando o seu nome verdadeiro outras vezes usando um nome falso, apenas com o intuito de se apoderar do enxoval da criança e embolsar os 600 réis que eram dados cada vez que se ia buscar uma criança") e a última execução de pena de morte, de que se tem conhecimento em território português, ocorreu em Abril de 1846.


Por outro lado, importa salientar que grande parte dos países lusófonos (Cabo Verde, Moçambique, S. Tomé e Princípe, Angola, Guiné Bissau, Brasil) aboliram a pena de morte.

Na actualidade do mundo de hoje e tomando em conta os dados recolhidos pela Amnistia Internacional, podemos contabilizar um total de 137 países que aboliram a pena capital, "de jure" ou "de facto" - 91 países aboliram-na para todos os crimes, como por exemplo Portugal; 11 países aboliram-na para todos os crimes excepto para casos extraordinários de crimes de guerra, dos quais servirá de exemplo o Brasil; 35 países prevêm a aplicação da pena de morte, mas não a executam há largos anos, como por exemplo a Rússia.

Contudo, ainda existem cerca de 60 países no mundo a aplicar a pena capital e a condenar pessoas humanas à morte por decapitação, electrocução, enforcamento, injecção letal, fuzilamento ou, com enorme crueldade, por apedrejamento!
Em 2007, pelo menos 1.252 pessoas humanas foram executadas e 3.347 condenadas por sentença judicial a pena de morte!
China, Paquistão, Irão, Iraque, Arábia Saudita e, o "país de todas as liberdades e garantias", Estados Unidos da América, continuam a aplicar a mais cruel pena, que alguma vez se poderá condenar alguém: a morte!

Pessoalmente, sempre fui acérrimo defensor da não aplicação da pena capital, seja em que situação concreta nos coloquemos. Já várias vezes discuti e debati o tema e, se é certo que compreendo a dor e angústia que, alguns pais ou parentes, possam sentir pela perda de filhos, familiares e entes queridos, continuo a não tomar como Justiça a execução de um ser humano, independentemente do crime que haja praticado. Que dor sentirão os que amavam o executado? Uma dor diferente? E será justo condená-los indirectamente também a eles, inocentes, a essa mesma dor?

O direito à vida é inalienável e nenhum homem, instituição ou Estado tem legítimidade natural para retirar a vida a um ser humano. Pena de morte é punir um erro, com outro erro! A desconcertante "Lex Talionis" - "olho por olho, dente por dente" - é uma lei injusta; mata-se argumentando que ninguém tem direito a matar e por isso deve ser morto! Será coerente? Viveremos "adaeternum" no reino da Babilónia?

Não sou de religiões mas, pelo que sei, quando Caim matou Abel, nem Deus lhe retirou a vida; expulsou-o! Não poderá também o Homem apenas expulsar da sociedade quem nela errou, retirando-lhe a liberdade ainda que perpetuamente?

Nos dias que correm, banal se torna escutar de outrem que "Se houvesse pena de morte em Portugal, isto já não era assim!", referindo-se ao aumento de criminalidade violenta. Contudo, estudos científicos mais recentes sobre a relação entre a pena de morte e as percentagens de homicídios, conduzidas pelas Nações Unidas em 1988 e actualizadas em 1996, não conseguiram encontrar provas científicas de que as execuções tenham um efeito dissuasor superior ao da prisão perpétua.
O enforcamento de Saddam Hussein não protegeu a humanidade da existência de outros ditadores, adeptos convictos de genocídios em massa!
“A prisão perpétua tem suficiente poder de coerção da criminalidade, oferecendo, além disto, a vantagem da plena recuperação do criminoso.”, referia Ávila em 1967.

Acresce que, todo e qualquer sistema judicial é falível; passível e permeável a erros. Quem julga e condena são juízes, pessoas humanas passíveis de errar, devendo todos nós assumir que o errar é próprio da essência humana. A história é pródiga em exemplos de erros judiciais. Veja-se o "Caso Wanninkhof", em Espanha; o caso de António Madeira, em França; os vários casos nos EUA (o teste de DNA, por exemplo, demonstrou a inocência de 72 presos condenados, 8 deles condenados à morte. E desde 1973, nos Estados Unidos, um grande número de condenados à morte teve que ser libertado depois de 12, 18 anos no “corredor da morte”), nomeadamente o de James Lee Woodward, recentemente libertado após 27 anos de injusto cativeiro! Atente-se que ,ainda hoje não se sabe se, no célebre "Processo dos Távoras", se executaram verdadeiros culpados!

Agora vejamos: se em erro se condenar um inocente a prisão, poderemos, após a percepção desse mesmo erro, repôr a Justiça, libertando o injustamente encarcerado e tentando ressarcir os danos que lhe foram causados com tal privação de liberdade, através de uma indemnização; se em erro se condenar um inocente à morte, após a execução dessa sentença, ainda que seguros e convictos de que se errou no julgamento, nada poderemos fazer para realizar Justiça. A morte não tem retrocesso! É irreversível e irremediável! É humanamente impossível voltar a dar a vida que se retirou! Deveremos punir quem erradamente julgou e sentenciou a morte de um inocente, entrando numa incessante espiral de injustiças?

Marquês De Lafayette referia: “Pedirei a abolição da pena de morte enquanto não me provarem a infalibilidade dos juízos humanos”.

Tomo, aqui e na vida, a mesma posição e, sobre o tema, aconselho o visionamento do filme "The Life of David Gale ( Inocente ou Culpado)", com uma representação soberba de Kevin Spacey. Para ver, sentir e refletir!

Resta-me findar por referir que o art. 1º do Protocolo nº6 à Convenção Europeia dos Direitos do Homem (instrumento de direito internacional que faz parte do direito interno - atento o disposto no art. 8º nº 2 da CRP -, em vigôr na ordem jurídica portuguesa desde 1 de Novembro de 1986)
dispõe que "A pena de morte é abolida. Ninguém pode ser condenado a tal pena ou executado".
O art. 1º do
Protocolo nº13 à Convenção Europeia dos Direitos do Homem (em vigôr na ordem interna portuguesa desde 1/02/2004) dispõe no mesmo sentido.

Por sua vez, o art. 24º da Constituição da República Portuguesa refere claramente que "a vida humana é inviolável" e "em caso algum haverá pena de morte"! Ler tal preceito, rejuvenesce o meu orgulho lusitano!

"Que os maus não matem os bons nem os bons matem os maus. Digo sem hesitação que não existem assasinos bons." (Pablo Neruda)


domingo, 5 de outubro de 2008

"Lei do Ruído"

No tempo que vivemos, o silêncio é um bem raro. É um bem escasso e, consequentemente, um bem económico.

Qual de nós, comum dos mortais, nunca experienciou a derradeira frustração de querer alcançar um pouco de silêncio e não conseguir?

Nos ruidosos tempos que correm, tal aparenta ser apenas apanágio dos Deu$es; um prazer que só eles conseguirão alcançar e fruir. Sirenes, buzinas, motores, máquinas, músicas, Tv's, etc... ; uma incessante amálgama de sons e ruídos; tudo é anti-silêncio e pró-evolução - tome ela o rumo que tomar! A poluição sonora instalou-se.

Decerto muitos argumentarão que ainda existem locais no Mundo onde é possivel sentir o prazer do silêncio...
Vero! Mas isso tem um determinado valor; um determinado preço de mercado e muitas das vezes apenas acessível aos Deu$es...

Contudo e apesar da ruidosa parafernália que actualmente vivemos, ainda existe um local onde idealizamos conceder à nossa audição a prazentosa sensação de silêncio: a nossa casa! Deitados sobre a cama, escutando o vazio... ouvindo o nada! Uma divina - porque rara - sensação...

Mas, normalmente, essa idealização não passa disso mesmo... de uma doce mas vã quimera. No momento em que tudo aparenta propiciar o desfrutar do desejado prazer do silêncio... BOOM ... o vizinho decide fazer obras em casa, aspirar a mesma ao som do último CD de um qualquer artista musical, experimentar o sistema surrround ou
quiça discutir com a esposa, atento um violento ataque de ciúmes!

Todos estaremos cientes dos efeitos nocivos da poluição sonora na saúde e no bem estar humano (perda de concentração, stress, perda de audição, transtornos do sono, perda de rendimento e produtividade, dificuldades nas comunicações, etc...). A prevenção do ruído e o controlo da poluição sonora, visando a salvaguarda da saúde humana e o "welfare" das populações, constitui hoje uma tarefa fundamental do Estado e da
Lei de Bases do Ambiente (Lei nº11/87 de 11 de Abril), ou seja, cabe ao Estado legislar no sentido de estabelecer um regime que proteja a sociedade dos incómodos dos ruídos e dos malifícios da poluição sonora.

Esse regime jurídico encontra-se actualmente previsto no
Regulamento Geral do Ruído (D.L. nº9/2007 de 27 de Janeiro) e nele se estabelecem limites às actividades ruidosas susceptíveis de causar incomodidade.

Vejamos alguns aspectos mais usuais e correntes que, na prática, não raras vezes são descurados ou desconhecidos:


a) ruídos produzidos em virtude de trabalhos ou obras de construção civil, realizadas fora do nosso edifício habitacional.

Este tipo de trabalhos é legalmente catalogado como "actividade ruidosa temporária" - art. 3º alínea b) - e o seu exercício é, em absoluto, proibido nas proximidades de hospitais ou estabelecimentos similares (a todo o tempo) e escolas (durante o período de aulas). De igual modo o é proibido nas proximidades de edíficios de habitação, aos Sábados, aos Domingos e feriados e nos dias úteis entre as 20H00 e as 8H00 - art. 14º.
O exercício de tais actividades pode contudo, de forma, excepcional e devidamente justificada, ser autorizado mediante requerimento e emissão de "licença especial de ruído" - art. 15º - a emitir pelos competentes serviços municipais.

b) ruídos produzidos em virtude de trabalhos ou obras, no interior do nosso edifício habitacional.

A realização deste tipo de obras, quando constitua fonte de ruído, não necessita de licença ou autorização especial, mas apenas é legalmente permitida nos dias úteis entre as 8H00 e as 20H00 - art. 16º nº1.
Acresce que, o responsável pela sua realização deverá afixar, em local visível a todos os utilizadores do edifício, um aviso com a previsível duração das obras e com o período em que se preveja ocorrer maior intensidade de ruído - art. 16º nº 2.

c) ruídos emitidos por "saídas de escape" de veículos motores.

Os valores de ruído sonoro permitidos são os estabelecidos no livrete do veículo, acrescidos de uma tolerância de 5dB - art. 22º nº 1.
A fiscalização e controlo é efectuada aquando a realização de inspecção periódica a que serão obrigatóriamente sujeitos.

d) "ruídos de vizinhança"

Conceitualmente são ruídos associados ao uso habitacional e ás actividades que lhe são inerentes, produzidos directamente por alguém ou por intermédio de outrem, por coisa à sua guarda ou animal colocado sob sua responsabilidade, que, pela sua duração, repetição ou intensidade, seja susceptível de afectar a saúde pública ou a tranquilidade da vizinhança [art. 3º alínea r)]. É aconselhável tentar diminuir verificação ou a intensidade de tais ruídos entre as 23H00 e as 7H00 (art. 24º nº 1). Para espanto de alguns, durante o período temporal que medeia as 7H00 e as 23H00 , a realização de tais ruídos também não é ilimitadamente permitida, sendo possível as autoridades policiais fixarem um prazo ao "vizinho barulhento" para que cesse a incomodidade (art. 24º nº2).

O exercício de actividades ruidosas em violação do supra explanado, constitui ilícito contra-ordenacional; são "contra-ordenações ambientais leves", nos termos do disposto no art. 28º nº 1 do Regulamento Geral do Ruído.
O "lesado" poderá efectuar queixa/denúncia junto das competentes autoridades policiais, requerendo desde logo a suspensão ou cessação da actividade ruidosa, devendo ser por tais autoridades lavrado auto da ocorrência a remeter ao Presidente da Câmara Municipal para instauração do respectivo procedimento de contra-ordenação e aplicação de coima [art. 18º, 24º, 30º nº2 do referido diploma legal].


Importa contudo concluir que, embora nem sempre conseguamos atingir o silêncio que almejamos e que deveria ser atingível, atento o regime jurídico atrás exposto, é de relevar um aspecto crucial nesta matéria: em prol da boa sociabilização e vizinhança, devemos imbuir-nos aqui de elevado bom senso, de modo a não nos tornar-mos de tal modo mesquinhos e picuinhas, coartando outros tantos direitos fundamentais alheios apenas em prol do nosso direito ao silêncio.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Conferência “E foram felizes para sempre ….??”,

A Associação Portuguesa de Mulheres Juristas (APMJ) e a Escola de Direito do Porto da U.C.P vão realizar nos próximos dias 23 a 25 de Outubro a Conferência “E foram felizes para sempre ….??”, a fim de debater as recentes alterações ao regime jurídico do Divórcio.

Analisar criticamente, debater ideias e posições jurídicas sempre se afigurou essencial, sensato e salutar em prol da evolução legislativa de qualquer Estado de Direito e na realização de uma efectiva democracia.

Porque solicitada e importante a divulgação desde tipo de eventos, aqui deixo exposto a qualquer interessado o Programa e a ficha de inscrição para a supra mencionada Conferência.



sexta-feira, 19 de setembro de 2008

"Ubi homo ibi societas; ubi societas, ibi jus"

... assim referia Ulpiano no "Corpus Iuris Civilis".

Ou seja: onde está o Homem, há sociedade; onde há sociedade há direito.

É a mais pura e inegável das verdades! E até as comunidades com comportamentos denominados "anti-sociais", ou criminosos, têm as suas regras... o seu "direito".

"O Homem, é por natureza, um animal social (...), vivendo em multidão"(Aristóteles). Não consegue estar e ficar só. Convive, socializa, nasce em comunidade - no seio de uma família - e morre dentro de comunidades (dos mais variados tipos e formatos).
É históricamente impossível conceber o Homem-solitário, excepto por limitados espaços de tempo
, havendo uma propensão inata e natural para o ser humano se agregar em comunidades. Uma vez inserido dentro de comunidades importa ao Homem refutar o kaos e a anarquia e estabelecer um conjunto de regras de convívio e socialização. Toda a comunidade terá, consequentemente, as suas regras e normas de conduta. Daí que seja, de igual modo, historicamnte impossivel descortinar uma qualquer comunidade sem regras e sem normas. Desde os primórdios que elas existem e desafia-se qualquer um a citar e argumentar pela existência de uma qualquer comunidade sem regras!
Em toda a sociedade/comunidade existe normatividade. Direito enquanto conjunto de normas e regras. De deveres e de direitos. Dever de tomar determinada conduta ou de não tomar uma outra. Direito que os outros tomem determinadas condutas ou que não as tomem. A todos cabe, como dever último e fundamental, acatar essas regras. A consequência pelo seu desrespeito será (e sempre foi) a marginalização. O indivíduo é como que banido, excluido ou excomungado da comunidade. Os denominados marginais, não são mais do que isso mesmo: indivíduos que não respeitaram as regras da sociedade!

"O Homem é um animal sociável que detesta os seus semelhantes", diria Eugène Delacroix.

"A natureza fez o homem feliz e bom, mas a sociedade deprava-o e torna-o miserável"
- argumentaria Rosseau.

Mas até mesmo os marginais se agrupam. Formam sociedades de anti-sociais e com os seus pares, instituem obrigatóriamente regras de convivência e conduta no seio desssas mesmas sociedades.
Veja-se o exemplo das Máfias Italianas - desde a
Cosa Nostra siciliana, passando pela Camorra napolitana e findando na Ndrangheta calabresa, todas elas obedecem a rígidas normas de conduta. O mesmo se diga da Yakusa japonesa, das Tríades chinesas e da Máfia Vermelha russa!

São verdadeiras associações ou sociedades marginais, porque criminosas (tomando condutas anti-sociais) e regem-se por normas de conduta por elas mesmas geradas. Têm um "direito" próprio da sua comunidade e, pasme-se, não raras vezes escrito: por exemplo, em 2001, foi divulgado nos jornais brasileiros o que se poderá apelidar de "Estatuto do Primeiro Comando da Capital", onde a organização criminosa brasileira,
"em coligação com o Comando Vermelho", fixa 16 regras de conduta para a comunidade e seus membros.

Conclui-se que nem os anti-sociais criminosos e marginais resistem à consciencialização de que haverá sempre por necessário um mínimo de regras e Direito e que este deve ser respeitado por todos os membros da comunidade/sociedade!


"Não é a consciência do homem que lhe determina o ser, mas, ao contrário, o seu ser social que lhe determina a consciência" - Karl Marx.

"Ubi homo ibi societas; ubi societas ibi jus"!

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Actos próprios dos advogados e procuradoria ilícita

A Ordem dos Advogados parece verdadeiramente empenhada na luta contra o flagelo da procuradoria ilícita em Portugal. Cerca de 711 processos de procuradoria ilícita abertos, no ano de 2007, pelos Conselhos Distritais da OA - segundo dados recolhidos, há bem pouco tempo, pelo Ilustre Dr. Pires de Lima.

"Procuradoria ilícita é crime!" - adverte-se.

Para o efeito, Conselho Distrital de Lisboa (CDL) solicitou e obteve, no transacto dia 15-07-2008, por parte do Conselho Superior de Magistratura (CSM), uma já desejada cooperação entre instituições nesse mesmo âmbito, tendo o Conselho Plenário Extraordinário do CSM deliberado no sentido de, passo a citar:

"(...) fazer circular pelos Exmos. Magistrados colocados nos Tribunais de 1ª Instância do Distrito Judicial de Lisboa o expediente remetido pelo Exmo. Presidente do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, Dr. Carlos Pinto de Abreu, relativamente ao combate à procuradoria ilícita."

Importa pois, desde já, definir o conceito de "procuradoria ilícita".

Nesse sentido, dispõe o art. 7º nº 1 da Lei nº 49/2004 de 24-08 que "quem ,em violação do disposto no artigo 1º, praticar actos próprios dos advogados e solicitadores, (...) é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias."

Por sua vez, o art. 1º do mesmo diploma legal refere que só os advogados (inscritos como tal na OA) e os solicitadores (inscritos na Câmara de Solicitadores como tal) podem praticar os actos próprios dos advogados e dos solicitadores. A título de exemplo de actos próprios de advogados e solicitadores, no nº6 do citado preceito refere-se: a elaboração de contratos (arrendamento, trabalho, trespasse, promessa compra e venda, etc.); a prática de actos preparatórios tendentes à constituição, alteração ou constituição de negócios jurídicos ( cessão de quotas, alteração do pacto social, pedido de certificados de admissibilidade, etc); a prática de actos junto das conservatórias e cartórios notariais (pedidos de registo, marcação de escrituras, actos sucessórios, etc) e a negociação tendente à cobrança de créditos.

Atentos à legislação e à sociedade actual, fácil será discorrer da existência de vários esquemas de procuradoria ilícita. Desde sociedades imobiliárias que, sem advogado ou solicitador, elaboram contratos e encarregam-se de todos os actos junto de conservatórias e cartórios, passando por contabilistas e gestores que criam sociedades comerciais, aumentam capitais sociais e elaboram contratos de trabalho ou pelo comum do cidadão que pega numa minuta na internet e elabora um contrato para o amigo e terminando nas empresas de cobrança de créditos ... tudo isto constitui práticas ilegais e criminalmente previstas e punidas, como crime de procuradoria ilícita!

Mas nada disto é novidade. Inovação afigura-se agora o compromisso, assumido pelo CSM, em cooperar na luta contra a procuradoria ilícita, promovendo que os Magistrados denunciem efectivamente tais crimes quando deles tenham conhecimento (parece ser essa a interpretação a dar à deliberação do Conselho Plenário Extraordinário do CSM).

É com agrado que constato a postura do CSM, relativamente à matéria em análise, mas impõem-se naturalmente algumas questões:

- constituindo a procuradoria ilícita crime, p. e p. nos termos do art. 7º nº 1 da Lei nº 49/2004 de 24-08 e atento o disposto nos artigos 242º e 243º do CPP, conjugado com o art. 386º do CP, não será a sua denúncia legalmente obrigatória para os doutos Magistrados? Haveria necessidade de "pedinchar" aos Magistrados para que denunciem criminalmente casos de procuradoria ilícita de que tenham conhecimento? Tal não decorre dos seus deveres legais?

Note-se que para os Magistrados a denúncia não é meramente facultativa... mas sim obrigatória. Estão obrigados a denunciar todos os crimes de tenham conhecimento no exercício das suas funções e por causa delas, não devendo deixar de o fazer, sob pena de, também os Meretíssimos, incorrerem na prática de um ilícito criminal: a denegação de justiça (art. 369º do CP).

Conclui-se que, a deliberação do Conselho Plenário Extraordinário, aparentando ser um gesto de extrema boa vontade e cooperação, por parte do Conselho Superior da Magistratura, no âmbito da luta contra a procuradoria ilícita em Portugal, mais não é que um mero "fait diver", uma vez que os doutos Magistrados a isso estão legalmente obrigados, no âmbito e como consequência da sua actividade profissional.


sábado, 13 de setembro de 2008

Do Deficitário Acesso ao Direito

Sucedem-se em catadupa os casos, dos quais tenho conhecimento próprio, de processos-crime em que o Ministério Público finaliza o inquérito proferindo despacho no sentido do arquivamento dos autos, nos termos do art. 277º nº 1 do CPP, por prescrição do direito de queixa, por falta de constituição de assistente no prazo, legalmente estabelecido para o efeito, ou por não ter sido, atempadamente, junto aos autos o comprovativo do pedido de apoio judiciário.

De facto, a generalidade dos ofendidos apresenta queixas e denúncias, não sabendo que, a partir da data dos factos ou do seu conhecimento, têm um prazo de seis meses para o fazer e que iniciam ali um processo sucessivo de actos e fases processuais, também eles/elas sujeitos a prazos. Daí se conclui que muitos dos inquéritos penais findam, com o arquivamento dos autos, por falta de informação acerca do encadeamento de actos/prazos inerentes ao processualismo jurídico-penal e por culpa de uma deficitária cultura jurídica da generalidade do povo português.

Caberá ao Estado, em cumprimento do disposto nos
nºs 1 e 2 do Art. 20º da Constituição da República Portuguesa, garantir o efectivo acesso, de todo e qualquer cidadão, ao direito e aos tribunais, sendo essa respondabilidade inteiramente por si assumida no Art. 2º nº 1 da Lei nº 34/2004 de 29 de Julho. "O acesso ao direito compreende a informação jurídica e a protecção jurídica" - estatui-se ainda no nº 2 do referido preceito legal.

Concretizando o conceito de
"dever de informação jurídica", dispõe o Art. 4º da Lei nº 34/2004 de 29-07 que "incumbe ao Estado realizar, de modo PERMANENTE e planeado, acções tendentes a tomar conhecido o direito e o ordenamento legal, (...) com vista a proporcionar um melhor exercício dos direitos e o cumprimento dos deveres legalmente estabelecidos", devendo para o efeito, ser "gradualmente criados serviços de acolhimento NOS TRIBUNAIS E SERVIÇOS JUDICIÁRIOS" (Art. 5º nº 1 do mesmo diploma).

No regime de acesso ao direito e aos tribunais, estabelecido antes da entrada em vigôr da
Portaria nº 10/2008 de 3 de Janeiro, o dever de informação jurídica era efectivamente cumprido pelo Estado, sendo que, nos dias e horários de funcionamento dos Tribunais, estariam sempre presentes um ou mais Advogados nas instalações da "Domus Justitia", em sala a eles destinada. Qualquer dúvida que importunasse a mente do comum cidadão, qualquer esclarecimento que necessitasse, poder-se-ia sempre dirigir, ou era diligentemente encaminhado, à Sala dos Advogados.
"Lá o Sr. Doutor explicar-lhe-á tudo isso!"
- elucidavam nas Secretarias os funcionários de Justiça.
E os cidadãos não só eram efectivamente informados, acerca dos seus deveres e direitos processuais, como aí mesmo eram elaborados, de forma totalmente gratuita ,requerimentos vários, para os quais os requerentes (cidadãos) não detinham capacidade técnica de redação.
O Estado cumpria com as suas obrigações. Promovia a informação jurídica, assegurando a presença de Advogados, nas instalações dos Tribunais, através de escalas de urgência presenciais, os quais prestavam tal informação gratuitamente, apenas recebendo honorários por diligências processuais efectuadas ou, caso não as realizassem, cerca de € 72,00 pela sua presença física.

Hoje, com o devido respeito e salvo melhor entendimento, o Estado, adoptando uma postura escabrosamente economicista, exime-se , de forma atroz e ilegal, da sua assumida responsabilidade e dever de prestar informação jurídica a todo e qualquer cidadão.
Ao estabelecer-se, como regra, as escalas de prevenção não presenciais, em que o Advogado não tem de estar efectivamente presente nas instalações dos Tribunais, apenas lhe cabendo estar contactável e disponível para se deslocar, caso a sua presença seja solicitada
(Art. 4º da Portaria nº 10/2008 de 3-01), o Estado incumpre nas suas obrigações. O que deveria ser regra - a presença efectiva de Advogados que informassem e auxiliassem os cidadãos - é agora, de forma inaceitável, excepção! - Art. 4º nº 2 "in fine" da citada Portaria.

Os cidadãos não são correcta e convenientemente esclarecidos! Estão entregues a eles mesmos, sem a apoio judiciário que necessitam e a que têm constitucionalmente direito!
Os Advogados em escala de prevenção, passaram a estar, por um dia inteiro, afectos aos Tribunais. Continuam "presos"; não se podem deslocar para muito longe, sob pena de ser solicitada, pelo Tribunal, a sua presença, e a essa solicitação não poderem atender! Vêem-se muitas das vezes obrigados a adiar diligências de clientes seus ou a substabeler em Colegas para as efectivar! Mas agora o Estado, que antes, com postura e honra, recompensava o incómodo causado com € 72,00 por cada período manhã/tarde, hoje exime-se de pagar qualquer valor a título de recompensa pelos incómodos causados ao Advogado por um dia inteiro!
Os Meretíssimos Juízes, os Oficiais de Justiça, os arguidos, os Colegas (e a Justiça em geral!), têm de esperar que o Advogado seja contactado e que se desloque ao local da diligência. Todos esperam! Esperam porque a isso estão legalmente obrigados
(Art. 4º nº 4 da Portaria 10/2008), como se a lentidão da Justiça Portuguesa não fosse um efectivo problema do nosso sistema jurídico!
As "Salas de Advogados" não têm agora qualquer utilidade. São agora espaços mortos, vagos e desaproveitados! Não creio que existam Colegas que, prescindindo de estarem nos seus escritórios, optem por permanecer em salas pequenas e algumas delas sem o mínimo de condições! -
vide Sala dos Advogados do TPIC ou dos Juízos Criminais de Lisboa.

Actualmente, se um qualquer cidadão, em plena "Domus Justitia", solicitar por informação jurídica, no âmbito do sistema de acesso ao direito, são-lhe conferidos esclarecimentos (na melhor das hipóteses!) por funcionários judiciais! Se solicitar que lhe elaborem um qualquer requerimento, é-lhe facultada uma minuta (igual para todo e qualquer requerimento!) e referido que é uma coisa simples: só preencher, assinar e entregar! Se quiser apoio de profissional do foro, técnicamente credenciado para o coadjuvar na elaboração de tal requerimento, solicitando a presença de Advogado de molde a concretizar o direito previsto no nº 2 do Art. 20º da CRP, é-lhe referido (como eu presencialmente já assisti!) que "Não precisa da Advogado para nada! Aquilo é só preencher!". Se o cidadão insistir... não sei o que poderá acontecer... Talvez o aconselhem a requerer Apoio Judiciário junto da Segurança Social e esperar que lhe seja nomeado um Defensor!!

Do exposto, digam o que disserem, aleguem o que de mais legítimo aprovirem, na minha perspectiva e salvo melhor entendimento, a instituição de escalas de prevenção não presenciais em detrimento de uma efectiva presença de Advogados nos Tribunais, no âmbito do regime de acesso ao direito e aos tribunais, nada mais é que uma clara violação do disposto no
Art. 20º nº 1 e 2 da Lei Fundamental e nos Artigos 1º, 2º, 3º nº 1, 4º e 5º nº 1 da Lei nº 34/2004 de 29 de Julho, constituindo efectiva DENEGAÇÃO DE JUSTIÇA por parte do Estado Português!

Tenho dito!

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Alcoolímetros, parquímetros, radares e afins...

Ontem foi segunda-feira, por regra, dia atarefado em todo e qualquer tribunal de Comarca ou Juízos Criminais de Pequena Instância Criminal. Não quero dizer que os outros dias não o sejam, mas... às segundas-feiras é inevitável que assim seja!
Agrupam-se, nos átrios dos tribunais, jovens e adultos, esperando apreensivos escutar o seu nome em alguma das muitas chamadas para julgamento em processo sumário. Os crimes, pelo qual irão ser julgados, não variam muito. Condução de veículo em estado de embriaguez
(art. 292º Cód. Penal) é o mais comum!

"Sabe como é Sô Doutor... sábado à noite... sabe como é... saímos com os amigos e exageramos um bocadinho nas bebidas!"
- explicam.

Exageraram um bocadinho nas bebidas... tiveram o azar (ou a sorte, quiça!) de lhes ter sido dado ordem de paragem e inspeccionados por uma "operação STOP" e... ali estão... a aguardar julgamento pela prática de um ilícito criminal, cuja punição pode ir até um ano de prisão!

A detecção e quantificação da taxa de álcool no sangue é, normalmente, indiciada por meio de teste no ar expirado, efectuada nos aparelhos alcoolímetros, sendo apenas efectuada análise ao sangue quando não for possivel realizar o teste em alcoolímetro ou seja requerida contraprova (
Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, anexo à Lei nº 18/2007 de 17-05).

Sucede que, não raras as vezes, tal aferição é efectuada inconscientemente à margem da lei, pelos agentes policiais.

Os alcoolímetros, enquanto
"instrumentos destinados a medir a concentração mássica de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado", mais não são que instrumentos de medição metrológica sujeitos a um apertado dispositivo de controlo da sua qualidade metrológica. Tal dispositivo encontra-se previsto na Portaria nº 1556/2007 de 10-12 e em suma dispõe o seguinte:

- os modelos dos alcoolímetros têm de ser aprovados pelo IPQ, sendo essa aprovação válida por um período de 10 anos, findo o qual carece de renovação (
art. 6º da supra referida Portaria e art. 2º nº 2 do DL nº291/90 de 20-09).

- os aparelhos alcoolímetros têm de ser, periódicamente, sujeitos a verificações de controlo da sua qualidade, junto do IPQ. A primeira verificação é efectuada antes de se iniciar a sua utilização pelos agentes policiais nas actividades de fiscalização rodoviária. Depois têm de ser anualmente sujeitos a essa mesma fiscalização
(art. 7º da Portaria nº 1556/2007 e art. 3º do DL nº 291/90), sendo a verificação válida até 31 de Dezembro do ano seguinte da sua realização.

- os registos da medição, ou seja, os talões do alcoolímetro, devem conter, entre outros elementos a data da última verificação metrológica
(art. 9º nº 2 da Portaria nº 1556/2007).

O
art. 14º do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas preceitua claramente que "nos testes quantitativos de álcool no ar expirado só podem ser utilizados analizadores que obedeçam às características fixadas em regulamentação (...)".

Lendo e analisando, como depressa se depreenderá, muitos dos aparelhos alcoolímetros são - não o podendo ser - ilegalmente utilizados, pelos agentes policiais, para detecção e quantificação de álcool no sangue, por não ter a aprovação dos mesmos sido renovada após decorridos 10 anos ou por se ter omitido a verificação metrológica anual, legalmente obrigatória, junto do IPQ.

No que diz respeito aos parquímetros e equipamentos cinemómetros-radares (para controlo de velocidade), igualmente constituem em si mesmos instrumentos de medição e devem obedecer a critérios de qualidade metrológica. São-lhes, por isso mesmo, aplicadas as mesmas regras de controlo metrológico já referidas: necessidade de aprovação e da sua renovação após um período de 10 anos; primeira verificação e verificações anuais obrigatórias, junto do IPQ, para aferir da qualidade metrológica.

Processualmente, a utilização proibida, porque ilegal, de aparelhos ou instrumentos metrológicos (alcoolímetros, radares, parquímetros, etc...) constitui um método de obtenção de prova proibido e a consequência jurídica apenas poderá ser uma: nulidade da prova documental produzida (talão de alcoolímetro), sendo legalmente inadmissível, em julgamento, a sua valoração probatória.


sábado, 6 de setembro de 2008

O "Defensor Público"

Tomei conhecimento através de comunicado do Conselho Geral da O.A., que o Bloco de Esquerda havia apresentado proposta pública visando a criação da figura do "Defensor Público" no âmbito do acesso ao direito e aos tribunais.

Cumpre referir que se concorda, em absoluto e inequívocamente, com a posição desde já tomada pelo Exmo. Senhor Bastonário e pelo Conselho Geral da OA.
Mesmo sem conhecer do mérito e do conteúdo de tal proposta, afigura-se que a "funcionalização pública", inerente à carreira de Defensor Público, retiraria de forma inegável, ao advogado, a independência necessária a todo e qualquer bom patrocínio forense. Seria negar, ainda que indirectamente, igualdade de patrocínio entre ricos e pobres, uma vez que a representação forense destes últimos sempre se encontraria coarctada e limitada por uma dependência laboral e hierárquica do Defensor Público ao Estado!

"O advogado, no exercício da profissão, mantém sempre em quaisquer circunstâncias a sua independência, devendo agir livre de qualquer pressão (...)"
- art. 84º do Estatuto da OA.

O advogado deve ser independente perante o patrocinado, colegas, comunicação social, tribunais e outras demais e quaisquer entidades. Deve agir livre de todas e quaisquer pressões exteriores e evitar atentados à sua independência! Se, de alguma forma, concluir que não é livre no seu agir e no exercício da profissão, não descurando a ética profissional, deontológicamente deverá renunciar ao mandato!


Independência é "ausência de toda a forma de ingerência, de interferência, de vínculos e de pressões, quaisquer que sejam, provenientes do exterior, e que tendam a influenciar, desviar e distorcer a acção do ente profissional" - Carlo Lega inDeontologia de la Profession de Abogado.

A independência está para o advogado, assim como a imparcialidade e a isenção estão para o juíz!

Mas, após esta pequena reflexão e tomada de posição acerca da criação da carreira de Defensor Público, cumpre analisar a figura e esclarecer algumas questões.

Tal figura encontramo-la, por exemplo, no ordenamento jurídico brasileiro, onde existe a "Defensoria Pública", instituição pública incumbida de "prestar assistência jurídica, judicial e extra-judicial, integral e gratuita, aos necessitados" (Lei Complementar nº 80/94).
Para ingressar na carreira, os candidatos têm de ter registo na OAB, um mínimo de 2 anos de prática forense e sujeitarem-se a concurso público. Após sujeitos a provas públicas, se forem aprovados, o candidato é nomeado Defensor Público pelo chefe do Executivo e, após a posse, passa a estar investido no cargo público. Aos Defensores Públicos são concedidas vários
direitos e garantias, nomeadamente inamovibilidade, irredutibilidade dos vencimentos e estabilidade, assim como possiblidade de progressão na carreira. São-lhes concedidas igualmente certas prerrogativas, tais como: intimação pessoal de todos os actos, em qualquer processo, e contagem em dobro de todos os prazos; não ser preso senão por ordem judicial escrita, salvo em flagrante; direito a prisão especial separada dos demais, em caso de prisão preveniva ou sentença condenatória; manifestar-se por meio de cotas nos autos e ter o mesmo tratamento dos magistrados. Cumpre ainda referir que a remuneração inicial de um Defensor Público, no Brasil, é de cerca de R$ 12.000, ou seja, cerca de € 4.875!

Face o exposto, questiona-se: a figura de Defensor Público, cuja criação foi proposta para Portugal, também teria todas estas garantias e prerrogativas especiais? Teria o Estado capacidade para conceder ao Defensor Público a contagem em dobro de todos os prazos? A nível de remunerações, o Defensor Público iria auferir um rendimento dignificante face ao seu status ou continuaria a receber em função dos vergonhosos valores constantes da Tabela de Honorários anexa à Portaria nº 1386/2004 de 10 de Novembro??? E iria receber todos os meses e atempadamente?

Não comparando com o regime instituído na República Federal do Brasil, ainda assim urge questionar:

-haveria, em Portugal, abertura para conferir ao Defensor Público um estatuto dignificante e ao nível do conferido ao Procurador do Ministério Público, na
Lei nº 60/98 de 28-08?

(que em suma, desempenhará o mesmo papel na Justiça, mas em lados opostos da barricada!)

-ao Defensor Público seria concedida uma remuneração de cerca de 3.200 euros/ mensais liquidos, com possibilidade de progressão na carreira?
-ao Defensor Público seria possivel conceder dispensa de serviço, subsidios de fixação, subsidio para despesas de representação, reembolso de despesas de deslocação e ajudas de custo?
-ao Defensor Público seria aplicado um dispositivo em tudo igual ao art. 91º da supra referida lei e relativo à prisão preventiva?
-ao Defensor Público seria atribuida, pelo Estado, uma casa de habitação?
- e todos os direitos especiais conferidos no art. 107º do Estatuto do MP, seriam igualmente conferidos ao Defensor Público?

São, todas estas, questões relevantes que carecem de ser, a meu ver, devidamente analisadas face ao ordenamento jurídico português.


sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Princípio da certeza jurídica

É com tristeza e inconformado que assisto ao ruir da organização, sistematização e coerência legislativa em Portugal!

A certo momento legisla-se no sentido de reformar a lei processual penal seguindo uma orientação limitativa das possiblidades de aplicação da prisão preventiva e adoptando uma visão pragmática e economicista, encarando ainda mais a prisão preventiva, medida restritiva de liberdade, como excepcional e subsidiária. Depois e não decorridos mais de 12 meses sobre alteração legislativa nesse mesmo sentido, clama-se por nova alteração da lei penal, orientada em sentido totalmente oposto, que vá ao encontro da opinião pública. Legisla-se erradamente ao sabor dos casos concretos; legisla-se consoante o "ruído público" e as necessidades/ interesses dos partidos políticos.

Se é correcto advogarmos que a lei deve ser maleável e ajustável às realidades sociais, sofrendo adaptações, consoante as mutações e necessidades dos ordenamentos sociais, igualmente erróneo não será defendermos que o legislador tem de oferecer certeza e segurança jurídica à sociedade, sendo má prática a mutação constante da lei, mormente da lei penal, restritiva de direitos, liberdades e garantias fundamentais.

Os cidadãos têm direito a, seguramente, saber com que leis podem contar! O legislador tem de oferecer estabilidade ao ordenamento jurídico, protegendo a confiança dos cidadãos no Direito e assegurando maior segurança, certeza e precisão nas situações jurídicas.

"Heureux le peuple dont l’histoire est ennuyeuse!" (Montesquieu)


O princípio da certeza e da segurança jurídica, enquanto viga mestra do Estado de Direito (art. 2º da CRP) - em parceria com o da legalidade - e um dos sub-princípios integradores do seu próprio conceito, é uma exigência e um requisito legislativo fundamental.

"O homem necessita de uma certa segurança para conduzir, planificar e conformar autónoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se considerou como elementos constitutivos do Estado de Direito o princípio da segurança jurídica e o princípio da confiança do cidadão.(...)
A ideia de segurança jurídica reconduz-se a dois princípios materiais concretizadores do princípio geral da segurança: princípio da determinabilidade de leis expresso na exigência de leis tendêncialmente ESTÁVEIS, ou, pelo menos não lesivas da previsibilidade e calculabilidade dos cidadãos relativamente aos seus efeitos jurídicos." - conclui J. J. Gomes Canotilho.


Não optando por trilhar o caminho da análise e discussão das virtualidades ou defeitos inerentes às alterações da legislação penal que entraram em vigôr em Setembro de 2007 (Lei 48/2007 de 29-08), importa realçar que as mesmas não surgiram do nada! Foram - ou pelo menos, deveriam ter sido - objecto de ampla análise, estudo e discussão na Assembleia da República!

Importa não esquecer que as referidas alterações legislativas, que hoje muitos criticam e apelidam de "aberrações jurídicas", surgiram como resultado de um
complexo e organizado processo legislativo parlamentar, no âmbito da reserva relativa de competência legislativa da A.R. (art. 161º al. c) e 165º nº 1 al. c) da CRP)

Resumindo ao máximo: o processo legislativo teve a sua génese em iniciativas legislativas dos vários partidos políticos parlamentarmente representados, que formularam propostas de lei; essas propostas foram à posteriori apreciadas e alvo de debate na generalidade e de debate na especialidade; depois, foram votadas na generalidade, votadas na especialidade e sujeitas a votação final global, tendo sido aprovadas, no âmbito do Pacto para a Justiça, com votos favoráveis do PS e PSD, abstenção do CDS-PP e votos contra do BE, do PCP e do PEV; in fini, foi promulgada pelo Exmo. Senhor Presidente da República.


Caracteriza-se pois como duvidosa a coerência e razão de alguns dos partidos políticos, ao lançarem sucessivos ataques sobre tais alterações, atendendo a que tiveram, em tempo e legitimamente, oportunidade de as não aprovarem e de se insurgirem contra elas no processo legislativo parlamentar.

Ao legislador cumpre legislar com coerência, inteligência e sistematização. Tem de legislar consciente das leis que produz e das suas consequências práticas. Não pode legislar de ânimo leve. Não pode legislar por legislar, de olhos fechados para o futuro, acarretando tal irresponsabilidade uma caótica e emaranhada amálgama de alterações legislativas, contrária à estabilidade e segurança que se quer no ordenamento jurídico de um Estado de Direito!

Seguro que "não há leis imutáveis", impõe-se que elas sejam, pelo menos, estáveis!

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Agente infiltrado vs agente provocador

A problemática do agente infiltrado e do agente provocador há muito que vem sendo discutida no domínio dos meios de prova penal.
Surgindo numa fase inicial como um meio de investigação e repressão política - utilizada sobretudo por regimes totalitários e fascistas de molde a descobrir e "aniquilar" a rebelde oposição - actualmente estas duas figuras são utilizadas por todos os países do mundo, como forma de combate à grande e organizada criminalidade (sobretudo narcotráfico e terrorismo). As "teias", ramificações e ligações que estas organizações criminosas foram paulatinamente tomando ao logo dos tempos e os graves crimes por elas engendrados e perpetrados (inclusive contra a vida humana), impuseram aos Estados de Direito uma tomada de consciência de que seria necessário e obrigatório adoptar medidas eficazmente preventivas e repressivas.

Entende-se que assim o fosse porque a Europol (organismo supranacional com competência policial para lidar com a criminalidade internacionalmente organizada) "(...) não passa de um eunuco que tem como única arma um computador". (Prof. Ziegler)
Impunha-se que cada Estado fimemente adoptasse medidas internas adequadas e eficazes a nível nacional, possibilitando o combate com uma efectiva força física.

Contudo, estas duas figuras jurídicas são fonte de problemática relativamente ao agente provocador, que num Estado de Direito Democrático será sempre um meio ilícito de obtenção de prova. O Estado não pode provocar o crime para depois o punir; tem de agir de "mãos limpas".

Sendo diminuta, em quantidade, a Doutrina portuguesa acerca da temática, na prática de investigação criminal e no decorrer de processos judiciais por variadíssimas vezes o tema é alvo de aplicação, discussão e decisões de Tribunais Superiores. Por exemplo, o antigo inspector-chefe Barra da Costa foi agente infiltrado pela DCCB da Polícia Judiciária no seio das FP25 de Abril (19983/84); o Dr. Ricardo Sá Fernandes foi agente infiltrado no "caso Bragaparques" ; o Bastonário Dr. Rogério Alves, defendeu os "irmãos Pinto" com base na alegação de que houvera provocação e instigação no crime de tráfico de droga agravado
e, como denuncia o Ilustre Colega Dr. Hernâni de Lacerda, "a fase mais difícil para um narcotraficante não é comprar a droga na Colômbia, mas trazê-la para a costa portuguesa" mas "nas acções encobertas, a polícia fornece os meios ao agente infiltrado".,

A generalidade dos tribunais aceita a figura do agente infiltrado como meio legal de combate ao crime, mas repudia veemente a actuação de agentes policiais que recorrem à provocação e instigação como meio de investigação.

Contudo, a fronteira entre agente infiltrado e agente provocador é demasiado ténue. Não raras as vezes em que uma infiltração degenera em provocação camuflada, configurando uma clara e ilegítima deslealdade e atentando contra o princípio do Estado de Direito. Por outro lado, existem demasiadas pressões psicológicas e comportamentos desviantes (pressões para obtenção de provas incriminatórias ou pressões por parte das organizações criminosas).

Na realidade, em julgamento, para se qualificar um agente como infiltrado ou provocador e, consequentemente, aferir se a prova por si obtida é válida ou não, há que analisar o modo como a recolha da prova foi efectuado: se houve instigação ao crime, não estando ainda presente na vontade do arguido o "querer" praticar um crime e essa vontade ou querer foi criada pelo agente policial, então existirá agente provocador! O que distingue as duas figuras será sempre o instigar ou não a prática de crimes, ou seja: o agente infiltrado reduz a sua acção a introduzir-se no seio da comunidade criminosa e com ela conviver, ganhando a sua confiança, tendo acesso a informações priviligiadas e dando assim azo a uma mais produtiva investigação; o agente provocador, indo mais além, não se contentará com o simples conviver no seio da delinquência, tentando instigar os possíveis criminosos em potência - sendo que todos os somos, face à "propensão natural para o crime" - à prática de delitos.

Em Portugal, a figura do agente infiltrado encontra-se actualmente regulada no "Regime Jurídico das Acções Encobertas para Fins de Prevenção e Repressão Criminal" - Lei nº 101/2001 de 25 de Agosto.

A figura do agente
provocador não é - ou não deve - ser admitida, constituindo um método proibido de prova , nos termos do disposto no Art. 126º nº 2 alínea a) do CPP, não podendo ser processualmente utilizadas as provas, por nulas, recolhidas através desse meio ilícito.


quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Detenção versus Prisão

Não raras as vezes se confunde detenção com prisão...

"Isto está cada vez pior... a PJ prendeu o ladrão e depois o juiz soltou-o!" - escuta-se por aí!

Embora ambas privativas da liberdade individual de cada um e reiteradamente confundidas pelo leigo cidadão, não são sinónimos e importa proceder à distinção das duas figuras jurídicas.

A Constituição da República Portuguesa consagra no seu Art. 27º que "todos têm direito à liberdade" (nº 1), reforçando tal princípio fundamental ao ditar que "ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdad, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança" (nº 2).
Actos punidos com pena de prisão são os que estão expressa e taxativamente tipificados no Código Penal e na demais legislação penal avulsa. Por sua vez, a possibilidade de aplicação judicial de medidas de segurança, está prevista e regulada no Capítulo VII, Título III, na Parte Geral do Código Penal.

Fora destas hipóteses, ninguém pode ou deve ser privado da sua liberdade. É um direito fundamental e constitucionalmente consagrado que a todos assiste!

Contudo, o nº 3 do já citado Art. 27º da CRP estabelece taxativamente algumas excepções ao princípio fundamental, referindo que outros casos existem (além da prisão-pena e das medidas de segurança) em que os indivíduos podem ser privados da sua liberdade pelo tempo e nas condições que a lei determinar. Analisando e sintetizando, tais casos reconduzem-se essencialmente a quatro situações:

1. Detenção para efeitos de identificação de suspeitos de crime/s
É uma forma de privação de liberdade legalmente prevista no Art. 250º do CPP. Para ser efectivada, terá de haver suspeita sobre alguém da prática de um crime (nº 1) e a impossibilidade de o suspeito se identificar documentalmente (nº 6). Durará apenas o tempo estritamente necessário para proceder à identificação do indivíduo na esquadra policial, mas nunca mais de 6 horas, sob pena de se tornar uma detenção ilegal.

2. Detenção em flagrante delito
Esta figura jurídica encontra-se prevista no Art. 255º do CPP e para ser efectivada terá de: naturalmente haver flagrante delito, em qualquer das modalidades previstas no Art 254º do mesmo diploma legal; ser o crime punível com pena de prisão (não bastando ser punível com pena de multa) e ser crime público ou semi-público (havendo apenas identificação dos infractores em caso de crimes particulares). A privação da liberdade durará no máximo 24 ou 48 horas (Art. 254º nº 1 do CPP), findas as quais o detido deverá ser restituído à liberdade (Art. 261º do CPP), sob pena da existência de ilegalidade na detenção.

3. Detenção fora do flagrante delito
Privação de liberdade que, por regra, só pode ser efectuada por através de mandado de detenção emitido por juíz ou, extraordináriamente, pelo Ministério Público -nos casos em que seja admissível prisão preventiva e haja FUNDADAS razões para considerar que o visado não se apresentaria voluntáriamente, no prazo fixado, perante autoridade judiciária - e pela polícia criminal - reunidos todos os pressupostos taxativamente enumerados no Art. 257º nº 2 do CPP.
Também neste tipo de detenção o limite máximo de privação da liberdade do indivíduo se reconduz a 24 ou 48 horas (Art. 254º nº 1 do CPP).

4. Prisão preventiva
É claramente uma forma mais gravosa de privação de liberdade do que a detenção (em qualquer das suas modalidades).e apenas poderá ser aplicada por despacho de juiz - nunca pelo M.P. (Art. 194º nº 1 do CPP), desde que reunidos os requisitos gerais para aplicação d medidas de coacção e os requisitos específicos para aplicação da prisão preventiva, previstos respectivamente nos Artigos 204º e 202º do CPP. A privação da liberdade, do indivíduo preso preventivamente, nunca poderá ultrapassar os prazos máximos previstos e taxados no Art. 215º do CPP, devendo o arguido ser liberto (Art. 217º CPP), sob pena de ser consideada uma prisão ilegal.

Do exposto se poderá facilmente depreender que, embora vulgarmente confundidas, detenção e prisão são figuras distintas, reconduzindo-se "grosso modo" a figura da detenção a uma privação da liberdade mais "suave" e temporalmente mais limitada, consoante o pragmatismo e o elemento teleológico que a fundamenta.

Estar detido não é estar preso; é estar, num espaço temporalmente muito limitado, privado da sua liberdade, mas não é prisão!
E esse espaço temporal é limitado ao máximo porque se deve presumir a inocência dos que ainda não foram condenados por sentença transitada em julgado! Até os detidos em flagrante devem ser presumidos inocentes. Ser detido em flagrante delito não significa ipso iuris que seja culpado!

Só após um justo, contraditório, equitativo e isento julgamento se poderá aferir da culpabilidade ou inocência do arguido detido! É que não raras as vezes, o que aparenta ser não o é! Que o digam
António e Virginie Madeira.