sexta-feira, 19 de setembro de 2008

"Ubi homo ibi societas; ubi societas, ibi jus"

... assim referia Ulpiano no "Corpus Iuris Civilis".

Ou seja: onde está o Homem, há sociedade; onde há sociedade há direito.

É a mais pura e inegável das verdades! E até as comunidades com comportamentos denominados "anti-sociais", ou criminosos, têm as suas regras... o seu "direito".

"O Homem, é por natureza, um animal social (...), vivendo em multidão"(Aristóteles). Não consegue estar e ficar só. Convive, socializa, nasce em comunidade - no seio de uma família - e morre dentro de comunidades (dos mais variados tipos e formatos).
É históricamente impossível conceber o Homem-solitário, excepto por limitados espaços de tempo
, havendo uma propensão inata e natural para o ser humano se agregar em comunidades. Uma vez inserido dentro de comunidades importa ao Homem refutar o kaos e a anarquia e estabelecer um conjunto de regras de convívio e socialização. Toda a comunidade terá, consequentemente, as suas regras e normas de conduta. Daí que seja, de igual modo, historicamnte impossivel descortinar uma qualquer comunidade sem regras e sem normas. Desde os primórdios que elas existem e desafia-se qualquer um a citar e argumentar pela existência de uma qualquer comunidade sem regras!
Em toda a sociedade/comunidade existe normatividade. Direito enquanto conjunto de normas e regras. De deveres e de direitos. Dever de tomar determinada conduta ou de não tomar uma outra. Direito que os outros tomem determinadas condutas ou que não as tomem. A todos cabe, como dever último e fundamental, acatar essas regras. A consequência pelo seu desrespeito será (e sempre foi) a marginalização. O indivíduo é como que banido, excluido ou excomungado da comunidade. Os denominados marginais, não são mais do que isso mesmo: indivíduos que não respeitaram as regras da sociedade!

"O Homem é um animal sociável que detesta os seus semelhantes", diria Eugène Delacroix.

"A natureza fez o homem feliz e bom, mas a sociedade deprava-o e torna-o miserável"
- argumentaria Rosseau.

Mas até mesmo os marginais se agrupam. Formam sociedades de anti-sociais e com os seus pares, instituem obrigatóriamente regras de convivência e conduta no seio desssas mesmas sociedades.
Veja-se o exemplo das Máfias Italianas - desde a
Cosa Nostra siciliana, passando pela Camorra napolitana e findando na Ndrangheta calabresa, todas elas obedecem a rígidas normas de conduta. O mesmo se diga da Yakusa japonesa, das Tríades chinesas e da Máfia Vermelha russa!

São verdadeiras associações ou sociedades marginais, porque criminosas (tomando condutas anti-sociais) e regem-se por normas de conduta por elas mesmas geradas. Têm um "direito" próprio da sua comunidade e, pasme-se, não raras vezes escrito: por exemplo, em 2001, foi divulgado nos jornais brasileiros o que se poderá apelidar de "Estatuto do Primeiro Comando da Capital", onde a organização criminosa brasileira,
"em coligação com o Comando Vermelho", fixa 16 regras de conduta para a comunidade e seus membros.

Conclui-se que nem os anti-sociais criminosos e marginais resistem à consciencialização de que haverá sempre por necessário um mínimo de regras e Direito e que este deve ser respeitado por todos os membros da comunidade/sociedade!


"Não é a consciência do homem que lhe determina o ser, mas, ao contrário, o seu ser social que lhe determina a consciência" - Karl Marx.

"Ubi homo ibi societas; ubi societas ibi jus"!

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Actos próprios dos advogados e procuradoria ilícita

A Ordem dos Advogados parece verdadeiramente empenhada na luta contra o flagelo da procuradoria ilícita em Portugal. Cerca de 711 processos de procuradoria ilícita abertos, no ano de 2007, pelos Conselhos Distritais da OA - segundo dados recolhidos, há bem pouco tempo, pelo Ilustre Dr. Pires de Lima.

"Procuradoria ilícita é crime!" - adverte-se.

Para o efeito, Conselho Distrital de Lisboa (CDL) solicitou e obteve, no transacto dia 15-07-2008, por parte do Conselho Superior de Magistratura (CSM), uma já desejada cooperação entre instituições nesse mesmo âmbito, tendo o Conselho Plenário Extraordinário do CSM deliberado no sentido de, passo a citar:

"(...) fazer circular pelos Exmos. Magistrados colocados nos Tribunais de 1ª Instância do Distrito Judicial de Lisboa o expediente remetido pelo Exmo. Presidente do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, Dr. Carlos Pinto de Abreu, relativamente ao combate à procuradoria ilícita."

Importa pois, desde já, definir o conceito de "procuradoria ilícita".

Nesse sentido, dispõe o art. 7º nº 1 da Lei nº 49/2004 de 24-08 que "quem ,em violação do disposto no artigo 1º, praticar actos próprios dos advogados e solicitadores, (...) é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias."

Por sua vez, o art. 1º do mesmo diploma legal refere que só os advogados (inscritos como tal na OA) e os solicitadores (inscritos na Câmara de Solicitadores como tal) podem praticar os actos próprios dos advogados e dos solicitadores. A título de exemplo de actos próprios de advogados e solicitadores, no nº6 do citado preceito refere-se: a elaboração de contratos (arrendamento, trabalho, trespasse, promessa compra e venda, etc.); a prática de actos preparatórios tendentes à constituição, alteração ou constituição de negócios jurídicos ( cessão de quotas, alteração do pacto social, pedido de certificados de admissibilidade, etc); a prática de actos junto das conservatórias e cartórios notariais (pedidos de registo, marcação de escrituras, actos sucessórios, etc) e a negociação tendente à cobrança de créditos.

Atentos à legislação e à sociedade actual, fácil será discorrer da existência de vários esquemas de procuradoria ilícita. Desde sociedades imobiliárias que, sem advogado ou solicitador, elaboram contratos e encarregam-se de todos os actos junto de conservatórias e cartórios, passando por contabilistas e gestores que criam sociedades comerciais, aumentam capitais sociais e elaboram contratos de trabalho ou pelo comum do cidadão que pega numa minuta na internet e elabora um contrato para o amigo e terminando nas empresas de cobrança de créditos ... tudo isto constitui práticas ilegais e criminalmente previstas e punidas, como crime de procuradoria ilícita!

Mas nada disto é novidade. Inovação afigura-se agora o compromisso, assumido pelo CSM, em cooperar na luta contra a procuradoria ilícita, promovendo que os Magistrados denunciem efectivamente tais crimes quando deles tenham conhecimento (parece ser essa a interpretação a dar à deliberação do Conselho Plenário Extraordinário do CSM).

É com agrado que constato a postura do CSM, relativamente à matéria em análise, mas impõem-se naturalmente algumas questões:

- constituindo a procuradoria ilícita crime, p. e p. nos termos do art. 7º nº 1 da Lei nº 49/2004 de 24-08 e atento o disposto nos artigos 242º e 243º do CPP, conjugado com o art. 386º do CP, não será a sua denúncia legalmente obrigatória para os doutos Magistrados? Haveria necessidade de "pedinchar" aos Magistrados para que denunciem criminalmente casos de procuradoria ilícita de que tenham conhecimento? Tal não decorre dos seus deveres legais?

Note-se que para os Magistrados a denúncia não é meramente facultativa... mas sim obrigatória. Estão obrigados a denunciar todos os crimes de tenham conhecimento no exercício das suas funções e por causa delas, não devendo deixar de o fazer, sob pena de, também os Meretíssimos, incorrerem na prática de um ilícito criminal: a denegação de justiça (art. 369º do CP).

Conclui-se que, a deliberação do Conselho Plenário Extraordinário, aparentando ser um gesto de extrema boa vontade e cooperação, por parte do Conselho Superior da Magistratura, no âmbito da luta contra a procuradoria ilícita em Portugal, mais não é que um mero "fait diver", uma vez que os doutos Magistrados a isso estão legalmente obrigados, no âmbito e como consequência da sua actividade profissional.


sábado, 13 de setembro de 2008

Do Deficitário Acesso ao Direito

Sucedem-se em catadupa os casos, dos quais tenho conhecimento próprio, de processos-crime em que o Ministério Público finaliza o inquérito proferindo despacho no sentido do arquivamento dos autos, nos termos do art. 277º nº 1 do CPP, por prescrição do direito de queixa, por falta de constituição de assistente no prazo, legalmente estabelecido para o efeito, ou por não ter sido, atempadamente, junto aos autos o comprovativo do pedido de apoio judiciário.

De facto, a generalidade dos ofendidos apresenta queixas e denúncias, não sabendo que, a partir da data dos factos ou do seu conhecimento, têm um prazo de seis meses para o fazer e que iniciam ali um processo sucessivo de actos e fases processuais, também eles/elas sujeitos a prazos. Daí se conclui que muitos dos inquéritos penais findam, com o arquivamento dos autos, por falta de informação acerca do encadeamento de actos/prazos inerentes ao processualismo jurídico-penal e por culpa de uma deficitária cultura jurídica da generalidade do povo português.

Caberá ao Estado, em cumprimento do disposto nos
nºs 1 e 2 do Art. 20º da Constituição da República Portuguesa, garantir o efectivo acesso, de todo e qualquer cidadão, ao direito e aos tribunais, sendo essa respondabilidade inteiramente por si assumida no Art. 2º nº 1 da Lei nº 34/2004 de 29 de Julho. "O acesso ao direito compreende a informação jurídica e a protecção jurídica" - estatui-se ainda no nº 2 do referido preceito legal.

Concretizando o conceito de
"dever de informação jurídica", dispõe o Art. 4º da Lei nº 34/2004 de 29-07 que "incumbe ao Estado realizar, de modo PERMANENTE e planeado, acções tendentes a tomar conhecido o direito e o ordenamento legal, (...) com vista a proporcionar um melhor exercício dos direitos e o cumprimento dos deveres legalmente estabelecidos", devendo para o efeito, ser "gradualmente criados serviços de acolhimento NOS TRIBUNAIS E SERVIÇOS JUDICIÁRIOS" (Art. 5º nº 1 do mesmo diploma).

No regime de acesso ao direito e aos tribunais, estabelecido antes da entrada em vigôr da
Portaria nº 10/2008 de 3 de Janeiro, o dever de informação jurídica era efectivamente cumprido pelo Estado, sendo que, nos dias e horários de funcionamento dos Tribunais, estariam sempre presentes um ou mais Advogados nas instalações da "Domus Justitia", em sala a eles destinada. Qualquer dúvida que importunasse a mente do comum cidadão, qualquer esclarecimento que necessitasse, poder-se-ia sempre dirigir, ou era diligentemente encaminhado, à Sala dos Advogados.
"Lá o Sr. Doutor explicar-lhe-á tudo isso!"
- elucidavam nas Secretarias os funcionários de Justiça.
E os cidadãos não só eram efectivamente informados, acerca dos seus deveres e direitos processuais, como aí mesmo eram elaborados, de forma totalmente gratuita ,requerimentos vários, para os quais os requerentes (cidadãos) não detinham capacidade técnica de redação.
O Estado cumpria com as suas obrigações. Promovia a informação jurídica, assegurando a presença de Advogados, nas instalações dos Tribunais, através de escalas de urgência presenciais, os quais prestavam tal informação gratuitamente, apenas recebendo honorários por diligências processuais efectuadas ou, caso não as realizassem, cerca de € 72,00 pela sua presença física.

Hoje, com o devido respeito e salvo melhor entendimento, o Estado, adoptando uma postura escabrosamente economicista, exime-se , de forma atroz e ilegal, da sua assumida responsabilidade e dever de prestar informação jurídica a todo e qualquer cidadão.
Ao estabelecer-se, como regra, as escalas de prevenção não presenciais, em que o Advogado não tem de estar efectivamente presente nas instalações dos Tribunais, apenas lhe cabendo estar contactável e disponível para se deslocar, caso a sua presença seja solicitada
(Art. 4º da Portaria nº 10/2008 de 3-01), o Estado incumpre nas suas obrigações. O que deveria ser regra - a presença efectiva de Advogados que informassem e auxiliassem os cidadãos - é agora, de forma inaceitável, excepção! - Art. 4º nº 2 "in fine" da citada Portaria.

Os cidadãos não são correcta e convenientemente esclarecidos! Estão entregues a eles mesmos, sem a apoio judiciário que necessitam e a que têm constitucionalmente direito!
Os Advogados em escala de prevenção, passaram a estar, por um dia inteiro, afectos aos Tribunais. Continuam "presos"; não se podem deslocar para muito longe, sob pena de ser solicitada, pelo Tribunal, a sua presença, e a essa solicitação não poderem atender! Vêem-se muitas das vezes obrigados a adiar diligências de clientes seus ou a substabeler em Colegas para as efectivar! Mas agora o Estado, que antes, com postura e honra, recompensava o incómodo causado com € 72,00 por cada período manhã/tarde, hoje exime-se de pagar qualquer valor a título de recompensa pelos incómodos causados ao Advogado por um dia inteiro!
Os Meretíssimos Juízes, os Oficiais de Justiça, os arguidos, os Colegas (e a Justiça em geral!), têm de esperar que o Advogado seja contactado e que se desloque ao local da diligência. Todos esperam! Esperam porque a isso estão legalmente obrigados
(Art. 4º nº 4 da Portaria 10/2008), como se a lentidão da Justiça Portuguesa não fosse um efectivo problema do nosso sistema jurídico!
As "Salas de Advogados" não têm agora qualquer utilidade. São agora espaços mortos, vagos e desaproveitados! Não creio que existam Colegas que, prescindindo de estarem nos seus escritórios, optem por permanecer em salas pequenas e algumas delas sem o mínimo de condições! -
vide Sala dos Advogados do TPIC ou dos Juízos Criminais de Lisboa.

Actualmente, se um qualquer cidadão, em plena "Domus Justitia", solicitar por informação jurídica, no âmbito do sistema de acesso ao direito, são-lhe conferidos esclarecimentos (na melhor das hipóteses!) por funcionários judiciais! Se solicitar que lhe elaborem um qualquer requerimento, é-lhe facultada uma minuta (igual para todo e qualquer requerimento!) e referido que é uma coisa simples: só preencher, assinar e entregar! Se quiser apoio de profissional do foro, técnicamente credenciado para o coadjuvar na elaboração de tal requerimento, solicitando a presença de Advogado de molde a concretizar o direito previsto no nº 2 do Art. 20º da CRP, é-lhe referido (como eu presencialmente já assisti!) que "Não precisa da Advogado para nada! Aquilo é só preencher!". Se o cidadão insistir... não sei o que poderá acontecer... Talvez o aconselhem a requerer Apoio Judiciário junto da Segurança Social e esperar que lhe seja nomeado um Defensor!!

Do exposto, digam o que disserem, aleguem o que de mais legítimo aprovirem, na minha perspectiva e salvo melhor entendimento, a instituição de escalas de prevenção não presenciais em detrimento de uma efectiva presença de Advogados nos Tribunais, no âmbito do regime de acesso ao direito e aos tribunais, nada mais é que uma clara violação do disposto no
Art. 20º nº 1 e 2 da Lei Fundamental e nos Artigos 1º, 2º, 3º nº 1, 4º e 5º nº 1 da Lei nº 34/2004 de 29 de Julho, constituindo efectiva DENEGAÇÃO DE JUSTIÇA por parte do Estado Português!

Tenho dito!

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Alcoolímetros, parquímetros, radares e afins...

Ontem foi segunda-feira, por regra, dia atarefado em todo e qualquer tribunal de Comarca ou Juízos Criminais de Pequena Instância Criminal. Não quero dizer que os outros dias não o sejam, mas... às segundas-feiras é inevitável que assim seja!
Agrupam-se, nos átrios dos tribunais, jovens e adultos, esperando apreensivos escutar o seu nome em alguma das muitas chamadas para julgamento em processo sumário. Os crimes, pelo qual irão ser julgados, não variam muito. Condução de veículo em estado de embriaguez
(art. 292º Cód. Penal) é o mais comum!

"Sabe como é Sô Doutor... sábado à noite... sabe como é... saímos com os amigos e exageramos um bocadinho nas bebidas!"
- explicam.

Exageraram um bocadinho nas bebidas... tiveram o azar (ou a sorte, quiça!) de lhes ter sido dado ordem de paragem e inspeccionados por uma "operação STOP" e... ali estão... a aguardar julgamento pela prática de um ilícito criminal, cuja punição pode ir até um ano de prisão!

A detecção e quantificação da taxa de álcool no sangue é, normalmente, indiciada por meio de teste no ar expirado, efectuada nos aparelhos alcoolímetros, sendo apenas efectuada análise ao sangue quando não for possivel realizar o teste em alcoolímetro ou seja requerida contraprova (
Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, anexo à Lei nº 18/2007 de 17-05).

Sucede que, não raras as vezes, tal aferição é efectuada inconscientemente à margem da lei, pelos agentes policiais.

Os alcoolímetros, enquanto
"instrumentos destinados a medir a concentração mássica de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado", mais não são que instrumentos de medição metrológica sujeitos a um apertado dispositivo de controlo da sua qualidade metrológica. Tal dispositivo encontra-se previsto na Portaria nº 1556/2007 de 10-12 e em suma dispõe o seguinte:

- os modelos dos alcoolímetros têm de ser aprovados pelo IPQ, sendo essa aprovação válida por um período de 10 anos, findo o qual carece de renovação (
art. 6º da supra referida Portaria e art. 2º nº 2 do DL nº291/90 de 20-09).

- os aparelhos alcoolímetros têm de ser, periódicamente, sujeitos a verificações de controlo da sua qualidade, junto do IPQ. A primeira verificação é efectuada antes de se iniciar a sua utilização pelos agentes policiais nas actividades de fiscalização rodoviária. Depois têm de ser anualmente sujeitos a essa mesma fiscalização
(art. 7º da Portaria nº 1556/2007 e art. 3º do DL nº 291/90), sendo a verificação válida até 31 de Dezembro do ano seguinte da sua realização.

- os registos da medição, ou seja, os talões do alcoolímetro, devem conter, entre outros elementos a data da última verificação metrológica
(art. 9º nº 2 da Portaria nº 1556/2007).

O
art. 14º do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas preceitua claramente que "nos testes quantitativos de álcool no ar expirado só podem ser utilizados analizadores que obedeçam às características fixadas em regulamentação (...)".

Lendo e analisando, como depressa se depreenderá, muitos dos aparelhos alcoolímetros são - não o podendo ser - ilegalmente utilizados, pelos agentes policiais, para detecção e quantificação de álcool no sangue, por não ter a aprovação dos mesmos sido renovada após decorridos 10 anos ou por se ter omitido a verificação metrológica anual, legalmente obrigatória, junto do IPQ.

No que diz respeito aos parquímetros e equipamentos cinemómetros-radares (para controlo de velocidade), igualmente constituem em si mesmos instrumentos de medição e devem obedecer a critérios de qualidade metrológica. São-lhes, por isso mesmo, aplicadas as mesmas regras de controlo metrológico já referidas: necessidade de aprovação e da sua renovação após um período de 10 anos; primeira verificação e verificações anuais obrigatórias, junto do IPQ, para aferir da qualidade metrológica.

Processualmente, a utilização proibida, porque ilegal, de aparelhos ou instrumentos metrológicos (alcoolímetros, radares, parquímetros, etc...) constitui um método de obtenção de prova proibido e a consequência jurídica apenas poderá ser uma: nulidade da prova documental produzida (talão de alcoolímetro), sendo legalmente inadmissível, em julgamento, a sua valoração probatória.


sábado, 6 de setembro de 2008

O "Defensor Público"

Tomei conhecimento através de comunicado do Conselho Geral da O.A., que o Bloco de Esquerda havia apresentado proposta pública visando a criação da figura do "Defensor Público" no âmbito do acesso ao direito e aos tribunais.

Cumpre referir que se concorda, em absoluto e inequívocamente, com a posição desde já tomada pelo Exmo. Senhor Bastonário e pelo Conselho Geral da OA.
Mesmo sem conhecer do mérito e do conteúdo de tal proposta, afigura-se que a "funcionalização pública", inerente à carreira de Defensor Público, retiraria de forma inegável, ao advogado, a independência necessária a todo e qualquer bom patrocínio forense. Seria negar, ainda que indirectamente, igualdade de patrocínio entre ricos e pobres, uma vez que a representação forense destes últimos sempre se encontraria coarctada e limitada por uma dependência laboral e hierárquica do Defensor Público ao Estado!

"O advogado, no exercício da profissão, mantém sempre em quaisquer circunstâncias a sua independência, devendo agir livre de qualquer pressão (...)"
- art. 84º do Estatuto da OA.

O advogado deve ser independente perante o patrocinado, colegas, comunicação social, tribunais e outras demais e quaisquer entidades. Deve agir livre de todas e quaisquer pressões exteriores e evitar atentados à sua independência! Se, de alguma forma, concluir que não é livre no seu agir e no exercício da profissão, não descurando a ética profissional, deontológicamente deverá renunciar ao mandato!


Independência é "ausência de toda a forma de ingerência, de interferência, de vínculos e de pressões, quaisquer que sejam, provenientes do exterior, e que tendam a influenciar, desviar e distorcer a acção do ente profissional" - Carlo Lega inDeontologia de la Profession de Abogado.

A independência está para o advogado, assim como a imparcialidade e a isenção estão para o juíz!

Mas, após esta pequena reflexão e tomada de posição acerca da criação da carreira de Defensor Público, cumpre analisar a figura e esclarecer algumas questões.

Tal figura encontramo-la, por exemplo, no ordenamento jurídico brasileiro, onde existe a "Defensoria Pública", instituição pública incumbida de "prestar assistência jurídica, judicial e extra-judicial, integral e gratuita, aos necessitados" (Lei Complementar nº 80/94).
Para ingressar na carreira, os candidatos têm de ter registo na OAB, um mínimo de 2 anos de prática forense e sujeitarem-se a concurso público. Após sujeitos a provas públicas, se forem aprovados, o candidato é nomeado Defensor Público pelo chefe do Executivo e, após a posse, passa a estar investido no cargo público. Aos Defensores Públicos são concedidas vários
direitos e garantias, nomeadamente inamovibilidade, irredutibilidade dos vencimentos e estabilidade, assim como possiblidade de progressão na carreira. São-lhes concedidas igualmente certas prerrogativas, tais como: intimação pessoal de todos os actos, em qualquer processo, e contagem em dobro de todos os prazos; não ser preso senão por ordem judicial escrita, salvo em flagrante; direito a prisão especial separada dos demais, em caso de prisão preveniva ou sentença condenatória; manifestar-se por meio de cotas nos autos e ter o mesmo tratamento dos magistrados. Cumpre ainda referir que a remuneração inicial de um Defensor Público, no Brasil, é de cerca de R$ 12.000, ou seja, cerca de € 4.875!

Face o exposto, questiona-se: a figura de Defensor Público, cuja criação foi proposta para Portugal, também teria todas estas garantias e prerrogativas especiais? Teria o Estado capacidade para conceder ao Defensor Público a contagem em dobro de todos os prazos? A nível de remunerações, o Defensor Público iria auferir um rendimento dignificante face ao seu status ou continuaria a receber em função dos vergonhosos valores constantes da Tabela de Honorários anexa à Portaria nº 1386/2004 de 10 de Novembro??? E iria receber todos os meses e atempadamente?

Não comparando com o regime instituído na República Federal do Brasil, ainda assim urge questionar:

-haveria, em Portugal, abertura para conferir ao Defensor Público um estatuto dignificante e ao nível do conferido ao Procurador do Ministério Público, na
Lei nº 60/98 de 28-08?

(que em suma, desempenhará o mesmo papel na Justiça, mas em lados opostos da barricada!)

-ao Defensor Público seria concedida uma remuneração de cerca de 3.200 euros/ mensais liquidos, com possibilidade de progressão na carreira?
-ao Defensor Público seria possivel conceder dispensa de serviço, subsidios de fixação, subsidio para despesas de representação, reembolso de despesas de deslocação e ajudas de custo?
-ao Defensor Público seria aplicado um dispositivo em tudo igual ao art. 91º da supra referida lei e relativo à prisão preventiva?
-ao Defensor Público seria atribuida, pelo Estado, uma casa de habitação?
- e todos os direitos especiais conferidos no art. 107º do Estatuto do MP, seriam igualmente conferidos ao Defensor Público?

São, todas estas, questões relevantes que carecem de ser, a meu ver, devidamente analisadas face ao ordenamento jurídico português.


sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Princípio da certeza jurídica

É com tristeza e inconformado que assisto ao ruir da organização, sistematização e coerência legislativa em Portugal!

A certo momento legisla-se no sentido de reformar a lei processual penal seguindo uma orientação limitativa das possiblidades de aplicação da prisão preventiva e adoptando uma visão pragmática e economicista, encarando ainda mais a prisão preventiva, medida restritiva de liberdade, como excepcional e subsidiária. Depois e não decorridos mais de 12 meses sobre alteração legislativa nesse mesmo sentido, clama-se por nova alteração da lei penal, orientada em sentido totalmente oposto, que vá ao encontro da opinião pública. Legisla-se erradamente ao sabor dos casos concretos; legisla-se consoante o "ruído público" e as necessidades/ interesses dos partidos políticos.

Se é correcto advogarmos que a lei deve ser maleável e ajustável às realidades sociais, sofrendo adaptações, consoante as mutações e necessidades dos ordenamentos sociais, igualmente erróneo não será defendermos que o legislador tem de oferecer certeza e segurança jurídica à sociedade, sendo má prática a mutação constante da lei, mormente da lei penal, restritiva de direitos, liberdades e garantias fundamentais.

Os cidadãos têm direito a, seguramente, saber com que leis podem contar! O legislador tem de oferecer estabilidade ao ordenamento jurídico, protegendo a confiança dos cidadãos no Direito e assegurando maior segurança, certeza e precisão nas situações jurídicas.

"Heureux le peuple dont l’histoire est ennuyeuse!" (Montesquieu)


O princípio da certeza e da segurança jurídica, enquanto viga mestra do Estado de Direito (art. 2º da CRP) - em parceria com o da legalidade - e um dos sub-princípios integradores do seu próprio conceito, é uma exigência e um requisito legislativo fundamental.

"O homem necessita de uma certa segurança para conduzir, planificar e conformar autónoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se considerou como elementos constitutivos do Estado de Direito o princípio da segurança jurídica e o princípio da confiança do cidadão.(...)
A ideia de segurança jurídica reconduz-se a dois princípios materiais concretizadores do princípio geral da segurança: princípio da determinabilidade de leis expresso na exigência de leis tendêncialmente ESTÁVEIS, ou, pelo menos não lesivas da previsibilidade e calculabilidade dos cidadãos relativamente aos seus efeitos jurídicos." - conclui J. J. Gomes Canotilho.


Não optando por trilhar o caminho da análise e discussão das virtualidades ou defeitos inerentes às alterações da legislação penal que entraram em vigôr em Setembro de 2007 (Lei 48/2007 de 29-08), importa realçar que as mesmas não surgiram do nada! Foram - ou pelo menos, deveriam ter sido - objecto de ampla análise, estudo e discussão na Assembleia da República!

Importa não esquecer que as referidas alterações legislativas, que hoje muitos criticam e apelidam de "aberrações jurídicas", surgiram como resultado de um
complexo e organizado processo legislativo parlamentar, no âmbito da reserva relativa de competência legislativa da A.R. (art. 161º al. c) e 165º nº 1 al. c) da CRP)

Resumindo ao máximo: o processo legislativo teve a sua génese em iniciativas legislativas dos vários partidos políticos parlamentarmente representados, que formularam propostas de lei; essas propostas foram à posteriori apreciadas e alvo de debate na generalidade e de debate na especialidade; depois, foram votadas na generalidade, votadas na especialidade e sujeitas a votação final global, tendo sido aprovadas, no âmbito do Pacto para a Justiça, com votos favoráveis do PS e PSD, abstenção do CDS-PP e votos contra do BE, do PCP e do PEV; in fini, foi promulgada pelo Exmo. Senhor Presidente da República.


Caracteriza-se pois como duvidosa a coerência e razão de alguns dos partidos políticos, ao lançarem sucessivos ataques sobre tais alterações, atendendo a que tiveram, em tempo e legitimamente, oportunidade de as não aprovarem e de se insurgirem contra elas no processo legislativo parlamentar.

Ao legislador cumpre legislar com coerência, inteligência e sistematização. Tem de legislar consciente das leis que produz e das suas consequências práticas. Não pode legislar de ânimo leve. Não pode legislar por legislar, de olhos fechados para o futuro, acarretando tal irresponsabilidade uma caótica e emaranhada amálgama de alterações legislativas, contrária à estabilidade e segurança que se quer no ordenamento jurídico de um Estado de Direito!

Seguro que "não há leis imutáveis", impõe-se que elas sejam, pelo menos, estáveis!

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Agente infiltrado vs agente provocador

A problemática do agente infiltrado e do agente provocador há muito que vem sendo discutida no domínio dos meios de prova penal.
Surgindo numa fase inicial como um meio de investigação e repressão política - utilizada sobretudo por regimes totalitários e fascistas de molde a descobrir e "aniquilar" a rebelde oposição - actualmente estas duas figuras são utilizadas por todos os países do mundo, como forma de combate à grande e organizada criminalidade (sobretudo narcotráfico e terrorismo). As "teias", ramificações e ligações que estas organizações criminosas foram paulatinamente tomando ao logo dos tempos e os graves crimes por elas engendrados e perpetrados (inclusive contra a vida humana), impuseram aos Estados de Direito uma tomada de consciência de que seria necessário e obrigatório adoptar medidas eficazmente preventivas e repressivas.

Entende-se que assim o fosse porque a Europol (organismo supranacional com competência policial para lidar com a criminalidade internacionalmente organizada) "(...) não passa de um eunuco que tem como única arma um computador". (Prof. Ziegler)
Impunha-se que cada Estado fimemente adoptasse medidas internas adequadas e eficazes a nível nacional, possibilitando o combate com uma efectiva força física.

Contudo, estas duas figuras jurídicas são fonte de problemática relativamente ao agente provocador, que num Estado de Direito Democrático será sempre um meio ilícito de obtenção de prova. O Estado não pode provocar o crime para depois o punir; tem de agir de "mãos limpas".

Sendo diminuta, em quantidade, a Doutrina portuguesa acerca da temática, na prática de investigação criminal e no decorrer de processos judiciais por variadíssimas vezes o tema é alvo de aplicação, discussão e decisões de Tribunais Superiores. Por exemplo, o antigo inspector-chefe Barra da Costa foi agente infiltrado pela DCCB da Polícia Judiciária no seio das FP25 de Abril (19983/84); o Dr. Ricardo Sá Fernandes foi agente infiltrado no "caso Bragaparques" ; o Bastonário Dr. Rogério Alves, defendeu os "irmãos Pinto" com base na alegação de que houvera provocação e instigação no crime de tráfico de droga agravado
e, como denuncia o Ilustre Colega Dr. Hernâni de Lacerda, "a fase mais difícil para um narcotraficante não é comprar a droga na Colômbia, mas trazê-la para a costa portuguesa" mas "nas acções encobertas, a polícia fornece os meios ao agente infiltrado".,

A generalidade dos tribunais aceita a figura do agente infiltrado como meio legal de combate ao crime, mas repudia veemente a actuação de agentes policiais que recorrem à provocação e instigação como meio de investigação.

Contudo, a fronteira entre agente infiltrado e agente provocador é demasiado ténue. Não raras as vezes em que uma infiltração degenera em provocação camuflada, configurando uma clara e ilegítima deslealdade e atentando contra o princípio do Estado de Direito. Por outro lado, existem demasiadas pressões psicológicas e comportamentos desviantes (pressões para obtenção de provas incriminatórias ou pressões por parte das organizações criminosas).

Na realidade, em julgamento, para se qualificar um agente como infiltrado ou provocador e, consequentemente, aferir se a prova por si obtida é válida ou não, há que analisar o modo como a recolha da prova foi efectuado: se houve instigação ao crime, não estando ainda presente na vontade do arguido o "querer" praticar um crime e essa vontade ou querer foi criada pelo agente policial, então existirá agente provocador! O que distingue as duas figuras será sempre o instigar ou não a prática de crimes, ou seja: o agente infiltrado reduz a sua acção a introduzir-se no seio da comunidade criminosa e com ela conviver, ganhando a sua confiança, tendo acesso a informações priviligiadas e dando assim azo a uma mais produtiva investigação; o agente provocador, indo mais além, não se contentará com o simples conviver no seio da delinquência, tentando instigar os possíveis criminosos em potência - sendo que todos os somos, face à "propensão natural para o crime" - à prática de delitos.

Em Portugal, a figura do agente infiltrado encontra-se actualmente regulada no "Regime Jurídico das Acções Encobertas para Fins de Prevenção e Repressão Criminal" - Lei nº 101/2001 de 25 de Agosto.

A figura do agente
provocador não é - ou não deve - ser admitida, constituindo um método proibido de prova , nos termos do disposto no Art. 126º nº 2 alínea a) do CPP, não podendo ser processualmente utilizadas as provas, por nulas, recolhidas através desse meio ilícito.