quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Detenção versus Prisão

Não raras as vezes se confunde detenção com prisão...

"Isto está cada vez pior... a PJ prendeu o ladrão e depois o juiz soltou-o!" - escuta-se por aí!

Embora ambas privativas da liberdade individual de cada um e reiteradamente confundidas pelo leigo cidadão, não são sinónimos e importa proceder à distinção das duas figuras jurídicas.

A Constituição da República Portuguesa consagra no seu Art. 27º que "todos têm direito à liberdade" (nº 1), reforçando tal princípio fundamental ao ditar que "ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdad, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança" (nº 2).
Actos punidos com pena de prisão são os que estão expressa e taxativamente tipificados no Código Penal e na demais legislação penal avulsa. Por sua vez, a possibilidade de aplicação judicial de medidas de segurança, está prevista e regulada no Capítulo VII, Título III, na Parte Geral do Código Penal.

Fora destas hipóteses, ninguém pode ou deve ser privado da sua liberdade. É um direito fundamental e constitucionalmente consagrado que a todos assiste!

Contudo, o nº 3 do já citado Art. 27º da CRP estabelece taxativamente algumas excepções ao princípio fundamental, referindo que outros casos existem (além da prisão-pena e das medidas de segurança) em que os indivíduos podem ser privados da sua liberdade pelo tempo e nas condições que a lei determinar. Analisando e sintetizando, tais casos reconduzem-se essencialmente a quatro situações:

1. Detenção para efeitos de identificação de suspeitos de crime/s
É uma forma de privação de liberdade legalmente prevista no Art. 250º do CPP. Para ser efectivada, terá de haver suspeita sobre alguém da prática de um crime (nº 1) e a impossibilidade de o suspeito se identificar documentalmente (nº 6). Durará apenas o tempo estritamente necessário para proceder à identificação do indivíduo na esquadra policial, mas nunca mais de 6 horas, sob pena de se tornar uma detenção ilegal.

2. Detenção em flagrante delito
Esta figura jurídica encontra-se prevista no Art. 255º do CPP e para ser efectivada terá de: naturalmente haver flagrante delito, em qualquer das modalidades previstas no Art 254º do mesmo diploma legal; ser o crime punível com pena de prisão (não bastando ser punível com pena de multa) e ser crime público ou semi-público (havendo apenas identificação dos infractores em caso de crimes particulares). A privação da liberdade durará no máximo 24 ou 48 horas (Art. 254º nº 1 do CPP), findas as quais o detido deverá ser restituído à liberdade (Art. 261º do CPP), sob pena da existência de ilegalidade na detenção.

3. Detenção fora do flagrante delito
Privação de liberdade que, por regra, só pode ser efectuada por através de mandado de detenção emitido por juíz ou, extraordináriamente, pelo Ministério Público -nos casos em que seja admissível prisão preventiva e haja FUNDADAS razões para considerar que o visado não se apresentaria voluntáriamente, no prazo fixado, perante autoridade judiciária - e pela polícia criminal - reunidos todos os pressupostos taxativamente enumerados no Art. 257º nº 2 do CPP.
Também neste tipo de detenção o limite máximo de privação da liberdade do indivíduo se reconduz a 24 ou 48 horas (Art. 254º nº 1 do CPP).

4. Prisão preventiva
É claramente uma forma mais gravosa de privação de liberdade do que a detenção (em qualquer das suas modalidades).e apenas poderá ser aplicada por despacho de juiz - nunca pelo M.P. (Art. 194º nº 1 do CPP), desde que reunidos os requisitos gerais para aplicação d medidas de coacção e os requisitos específicos para aplicação da prisão preventiva, previstos respectivamente nos Artigos 204º e 202º do CPP. A privação da liberdade, do indivíduo preso preventivamente, nunca poderá ultrapassar os prazos máximos previstos e taxados no Art. 215º do CPP, devendo o arguido ser liberto (Art. 217º CPP), sob pena de ser consideada uma prisão ilegal.

Do exposto se poderá facilmente depreender que, embora vulgarmente confundidas, detenção e prisão são figuras distintas, reconduzindo-se "grosso modo" a figura da detenção a uma privação da liberdade mais "suave" e temporalmente mais limitada, consoante o pragmatismo e o elemento teleológico que a fundamenta.

Estar detido não é estar preso; é estar, num espaço temporalmente muito limitado, privado da sua liberdade, mas não é prisão!
E esse espaço temporal é limitado ao máximo porque se deve presumir a inocência dos que ainda não foram condenados por sentença transitada em julgado! Até os detidos em flagrante devem ser presumidos inocentes. Ser detido em flagrante delito não significa ipso iuris que seja culpado!

Só após um justo, contraditório, equitativo e isento julgamento se poderá aferir da culpabilidade ou inocência do arguido detido! É que não raras as vezes, o que aparenta ser não o é! Que o digam
António e Virginie Madeira.


terça-feira, 26 de agosto de 2008

"I rest my case..."

Estamos em finais de férias judiciais e, organizando alguns dos meus processos, hoje deparei-me com um antigo recorte de jornal que assume ser mais um claro exemplo do descrédito e o mercantilismo a que está votado o jornalismo actual; da publicação da notícia que vende, descurando e omitindo a procura da verdade material!

Nos dias 13 e 14 de Novembro de 2006, desloquei-me ao Tribunal Judicial da Lourinhã, a fim de assistir arguido detido, meu cliente, em sede de 1º interrogatório judicial.

Na edição do dia 15 de Novembro de 2006, um jornal diário nacional publicava a seguinte "caixa jornalistica":

"LOURINHÃ - FERIDO A TIRO MORREU
>O Tribunal da Lourinhã determinou ontem a prisão preventiva de dois indivíduos de 30 anos, suspeitos de estarem envolvidos no ataque a tiro a um cidadão brasileiro, de 27 anos, - R.G.F., pedreiro residente na Praia da Areia Branca - na madrugada de domingo. A vítima foi atingida com um tiro na cabeça à saída do M. Bar, na aldeia do Moledo, e acabaria por morrer."

Hoje recordo que, ao ler tal notícia, apenas sorri e abanei negativamente a cabeça. Era demasidado irreal o que acabara de ler!

- Na realidade, só um indivíduo estava indiciado pela prática do crime. Um só indivíduo havia sido detido, constituido arguido e presente a interrogatório judicial;
- Ninguém ficou sujeito à medida de coacção prisão preventiva. O arguido, meu cliente, depois de ouvido pelo Exmo. Sr. Juiz de Instrução Criminal, apesar da prisão preventiva requerida pela Digna Magistrada do M.P., ficou apenas e tão só sujeito a Termo de Identidade e Residência (TIR);
-Por último, não se sabe, nem se compreende, de que "credível" fonte surgiu a informação de que terá sido um, passo a citar, "ataque a tiro a um cidadão brasileiro", tomando em consideração que, aquando os factos, ninguém estaria presente. Na sala de audiências, aquando o interrogatório também nunca foi referido que terá sido um "ataque a tiro". Não se descortina a possível fonte, assim como igualmente não se descortina trabalho de investigação e procura pela verdade por parte do/a jornalista.

"1. O jornalista deve relatar os factos com rigôr e exactidão e interpretá-los com honestidade. Os factos evem ser comprovados, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso. A distinção entre notícia e opinião deve ficar bem clara aos olhos do público.
2. O jornalista deve combater (...) o sensacionalismo e considerar a acusação sem provas (...) como graves faltas profissionais."

É o que rezam os Pontos 1 e 2 do, pouco ou nada respeitado,
Código Deontológico dos Jornalistas .

"I rest my case..."

domingo, 24 de agosto de 2008

Da Desqualitativa Mediatização da Justiça

Na sociedade em que actualmente tentamos subsistir, torna-se cada vez mais recorrente lermos ou escutarmos notícias insípidas do género "(...) a polícia acabou por prender um indivíduo de 26 anos de idade e já referenciado pelas autoridades. Contudo, após interrogatório, o juiz optou por não lhe aplicar nenhuma medida de coacção e decretou que fosse embora em liberdade".

Este tipo de notícia, fruto de uma crescente e não inconsequente mediatização dos assuntos jurídicos, deixa-me profundamente consternado! Consternado porque, conscientemente, reconheço que ela encerra em si mesma uma futilidade demagoga e sensacionalista, cujos únicos alvos são o mercado jornalístico, as vendas e os lucros. Consternado... porque denota uma clara falta de cultura jurídica por parte de alguns jornalistas - que não têm por obrigação a ter - mas de igual modo revela um facilitismo na investigação jornalística; um descuidar de deveres no aprofundamento das matérias sobre as quais versam as notícias que escrevem. Revelam que quem escreve a notícia não sabe do que "fala" ou/e, ainda mais grave, que também não teve interesse e cuidado em munir-se de tal conhecimento.

Caríssimos... o indivíduo terá sido detido em flagrante e não preso. Ao indivíduo terá sido aplicada, pelo menos e com toda a certeza, uma medida de coacção: o Termo de Identidade e Residência.

Os media descobriram o "filão de ouro": notícias sobre segurança e Justiça! Aproveitam exaustivamente esse "filão" incrementando o aumento de informação acerca de tais temas. Nunca tanto como hoje se ouviu ou leu sobre criminalidade, Justiça, Ministério Público, julgamentos, PGR, etc... O cidadão está actualmente mais informado sobre a Justiça portuguesa do que estava há cerca de 10 anos atrás... Contudo não o está melhor que há 10 anos atrás! Quantidade não é sinónimo de qualidade! É mais informado... mas com erro -grosseiro por vezes!! Não há zelo na investigação e na aferição da veracidade das informações obtidas! Em alguns casos, pasme-se, chega-se ao cúmulo de nem haver investigação jornalística, limitando-se a transcrever "peças" de uns meios de comunicação para outros, não se alterando nem uma vírgula!

Quantidade em detrimento da qualidade... é isto que se constata no panorama jornalístico nacional.

Mas a gravidade da situação não se resume à pobre e errónea informação transmitida por alguns jornalistas da nossa praça. Graves e perigosas são as consequências que dela advêem - um crescente fluir na mente do cidadão de que a Justiça não funciona e que mais vale adquirir uma arma num qualquer "mercado negro" e recorrer à
"vendetta" privada!
Consequências práticas já as vivemos: bastará, num qualquer
"bar de pueblo" português, questionar quem lá se encontre acerca da Justiça e da sua eficácia; questionar quem ou quantos dos presentes tem armas em casa; perguntar se estariam na disponibilidade de as usarem, para fazerem a sua própria justiça, caso se tornasse necessário e, após o escutar de vários e saudosos anseios pelo regresso do Antigo Regime, in fini, retirar ilações!

Pessoalmente, bem sei que o sistema jurídico português se contorce enfermo de várias maleitas. Mas ainda vive!! Ainda acredito e quero acreditar na JUSTIÇA e que vale a pena lutar pela sua realização num efectivo Estado de Direito.

"IUS ET IUSTITIA FUNDAMENTUM REGNORUM"


sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Nem tudo o que reluz é ouro...

Vivem-se momentos conturbados no seio da Ordem dos Advogados. Assiste-se a uma verdadeira crise institucional, segundo alegações de alguns Colegas. Os Conselhos Distritais estão de costas voltadas para o Bastonário (ou vice-versa, dependendo das perspectivas e da tomada de posições).

A este respeito, se é certo defender a harmonia, cooperação e respeito entre os vários orgãos institucionais da O.A. , também não será errado tomar em conta os próprios Estatutos e não olvidar as competências aí previstas e conferidas a cada um deles.
"Suum cuique!" - já ensinava Cícero - , ou seja, " a cada um o seu"!

E errado também não será questionar se, no seio institucional da O.A., o costume e os usos são fonte interna de direito...

Questão controversa - por um lado intimamente conexa à alegada crise institucional e por outro apenas superficialmente, pois a crise a ela não se resume, sendo apenas a ponta de um imenso véu - é o afastamento dos Advogados Estagiários do sistema de acesso ao direito e aos tribunais, em todas as modalidades de prestação de serviços que não a designação para consultas jurídicas. Acesas e calorosas discussões se têm gerado em torno do recente e polémico Regulamento nº 330-A/2008 , de 24 de Junho.

O Exmo. Senhor Bastonário alega que todos os cidadãos têm direito de acesso aos tribunais, a uma Justiça condigna e a um patrocínio judiciário efectivo, levado a cabo por profissional tecnicamente qualificado e apto, capacitado para defender o melhor possivel os interesses de quem patrocina. Todos os cidadãos têm direito a um advogado (com inscrição na O.A. enquanto tal), independentemente das suas capacidades económicas. Todos os cidadãos têm direito a um advogado independentemente de o mandatarem ou de lhes ser nomeado no âmbito do apoio judiciário. Todos os cidadãos devem ser juridicamente assistidos por profissional com experiência prática no foro e capacidade jurídica para defender verdadeiramente as diversas posições jurídicas subjectivas. Ora, os Advogados Estagiários não terão tal capacidade sendo clara a sua inexperiência prática (inerente ao seu próprio estatuto de estagiários!).
Como "arma de defesa" contra quem "ataca" a sua posição, o Exmo. Senhor Bastonário muniu-se de um parecer jurídico, solicitado ao ilustre constitucionalista Prof. Doutor Vital Moreira, sobre a participação de Advogados Estagiários no sistema de apoio judiciário e no qual se considera tal participação como claramente ilegal, por violação dos princípios constitucionais vertidos no 20.º‐2, 32.º‐ 3 e 208.ºda CRP, conjugados com os arts. 13.º e 18.º da CRP.

Não vou discutir a posição ou os seus argumentos!

Que TODOS devem ter direito à justiça, aos tribunais e à melhor defesa dos seus interesses jurídicos, parece-me ser opinião unânime. Contudo, nunca gostei ou fui apologista de generalizações. Exmo. Senhor Bastonário... existem advogados estagiários e... Advogados Estagiários... assim como existem Advogados e advogados!
Cair em generalizações é um trilho fácil... mas sombrio e enganador. Não é a primeira vez que o afirmo.

Por sua vez, inúmeros Advogados Estagiários, espalhados por variadíssimas Comarcas do país, repudiam a posição do actual Bastonário da O.A., argumentando que é ilegal (por contrária aos Estatutos da O.A.) e que acarreta consequências perniciosas, retirando aos Estagiários o único rendimento de que dispunham - as defesas oficiosas - , tendo inclusive a Associação Nacional dos Jovens Advogados Portugueses dado entrada, junto Tribunal Administrativo, de
"requerimento para instauração de acção de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral, nos termos dos artigos 72.º e ss. do CPTA" . Ao parecer jurídico do Prof. Doutor Vital Moreira "respondem", com o apoio de retaguarda de alguns orgãos da O.A., com a inviabilidade de, ao considerar o patrocínio judiciário efectuado por Advogado Estagiário como inconstitucional, sendo inconstitucionais todas as normas que o fundamentam (nomeadamente as do EOA), se ter que reabrir inúmeros processos judiciais, provocando - ou melhor dizendo aumentando - o caos na justiça portugesa!

Note-se que os Advogados Estagiários e a ANJAP (e alguns orgãos da OA) não refutam a inconstitucionalidade, nem não articulam fundamentos a favor da constitucionalidade do patrocínio judiciário exercido por Advogado Estagiário, limitando-se apenas a alertar para os perigos latentes que poderão advir, caso a questão seja suscitada junto do Tribunal Constitucional e este se pronuncie pela inconstitucionalidade.

Com o devido respeito, não me parece que seja argumento legítimo o
"deixar estar como está porque se mexer pode doer"! Não me conformo em ser apologista de algo ilegal e inconstitucional, tendo como fundamento o não desorganizar um sistema errónea e ilegalmente instituido no passado! E salvo melhor entendimento, também não me parece que deva ser esse o trilho e o lema da Ordem dos Advogados!
Se um dente está infectado com cárie, não nos podemos coibir de ir ao dentista e de o tratar, mesmo que isso acarrete alguma dor ou mau estar, sob pena de que, se não o fizermos, o dente acabará por apodrecer e morrer!

A posição do Exmo. Sr. Bastonário e a dos Advogados Estagiários já foi frisada, mas por outro lado, temos o comum do cidadão: o que assiste - por fora - a toda esta polémica. Esse decerto cogitará que a
"corrida às defesas oficiosas" mais não é que uma luta pela "galinha dos ovos de ouro"!

"Non omne quod nitet aurum est", ou seja, "nem tudo o que reluz é ouro"!

Desengane-se quem assim pensa...
Pessoalmente e excluindo toda a polémica até agora gerada, entendo que os Advogados Estagiários deveriam eles próprios renunciar ao exercício do apoio judiciário nos moldes em que anteriormente o vinham exercendo. Não os dignificava!
Se é certo que as "defesas oficiosas" era para alguns o único rendimento, certo será de igual modo que tal rendimento era, por natureza, desprestigiante e injusto face ao valor auferido. O facto de, no âmbito do apoio judiciário, o art. 2º nº 2 da Portaria nº 1386/2004 reduzir os honorários dos Advogados Estagiários para 2/3 do valor que deveria ser auferido por Advogados, não é dignificante nem justo! Por trabalho igual, deveria haver remuneração igual! Pagar apenas 2/3 do que se pagaria a um Advogado parece alimentar uma justificativa ilegítima para os Advogados Estagiários apenas pedirem
"a já acostumada Justiça"!
Nos moldes em que se encontrava previsto, o apoio judiciário patrocinado por Advogados Estagiários aproveitava, não aos cidadãos, não aos estagiários, mas sim ao próprio Estado que, imbuído por um espírito economicista, via nos Advogados Estagiários uma forma de "poupar" na atribuição da Justiça e na concretização de deveres e direitos constitucionalmente consagrados. E foi imbuido desse mesmo espírito economicista que, tentando ainda "achincalhar" mais a dignidade e o prestígio dos profissionais do foro, foi publicada a 1ª versão da Portaria nº 10/2008 de 3 de Janeiro, fixando valores irrisórios a atribuir como honorários no âmbito do apoio judiciário. Valeu a força da Ordem dos Advogados (unida) para se proceder às posteriores alterações através da Portaria nº 210/2008 de 29 de Fevereiro!
Também os Advogados Estagiários devem lutar e protestar pelo direito à dignificação do seu estatuto. Por trabalho igual, remuneração igual! Se renunciassem ao exercício de serviços no âmbito do apoio judiciário de livre e expontânea vontade, de cabeça erguida, seria bem mais dignificante e poderia servir de estandarte na luta contra a desigualdade!

Mas os "espinhos" e injustiças do sistema do apoio judiciário para os Advogados Estagiários não se consubstanciava apenas à redução dos honorários a 2/3 dos auferidos por Advogados. Subsiste ainda a problemática dos honorários devidos serem pagos por vezes cerca de 2 anos depois da prática dos actos ou diligências judiciais.Mas esse é um problema que não afectava apenas os estagiários. Também os Advogados sofriam e continuam a sofrer dos atrasos, inconsequentes para o Estado, no pagamento dos honorários devidos, pelo que haverá decerto outra oportunidade para reflectir e dissertar sobre o tema.

Uma nova luta se propõe ao Exmo. Senhor Bastonário e a todos os Advogados que prestam serviços no âmbito do apoio judiciário.


quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Sigilo da correspondência

Nos termos do disposto no art. 34º nº1 da Constituição da República Portuguesa, "(...) o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis". Mais acrescenta o nº 4 do mesmo preceito da lei fundamental que "é proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo penal".

Face ao exposto e constitucionalmente consagrado, é MUITO GRAVE a interpretação dada ao art. 179º do Cód. Proc. Penal, pelos Exmos. Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão de 15-07-2008, proferido no Processo 3453/2008-5, segundo a qual a Polícia Judiciária poderá aceder, sem prévia autorização por parte do Juiz de Instrução Criminal (JIC), ao conteúdo das mensagens (SMS) guardadas no telemóvel, depois de lidas, entendendo que "a apreensão da SMS já recebida e aberta não terá mais protecção que as cartas recebidas, abertas e guardadas pelo seu destinatário".

Com o devido respeito, trata-se de uma errada e perigosa interpretação do
art. 179º do CPP, constituindo a apreensão de mensagens escritas (SMS), sem prévia autorização judicial, uma clara ilegalidade e um grave atropelo aos direitos fundamentais dos cidadãos e constitucionalmente reconhecidos.

O direito ao sigilo de correspondência abrange o conteúdo de toda a correspondência e de outros meios de comunicação (cartas, postais, impressos, telefonemas e... SMS's) e as restrições a este direito só estão constitucionalmente autorizadas em processo penal, conforme o que se dispõe no
art. 34º nº 4 da CRP. Tais restrições estão previstas por exemplo no art. 179º e 187º do CPP, onde se prevê a possibilidade de apreensão de correspondência e de interceptação e gravação de conversações ou comunicações telefónicas, mas SEMPRE com prévia autorização judicial, sob pena de nulidade!!

O direito à inviolabilidade da correspondência trata-se de um direito fundamental, constitucionalmente consagrado, e estreitamente relacionado com o direito à intimidade pessoal (
art. 26º da CRP) e qualquer violação de direitos fundamentais do cidadão é um claro atropelo a um Estado de Direito Democrático.

A interpretação dada ao
art. 179º do CPP, pelos Venerandos Desembargadores do TRL no douto Acórdão supra referenciado, é assim, no meu entender, claramente ilegal, ferida de inconstitucionalidade e um grave atropelo ao Estado de Direito em que vivemos, baseado no "respeito e garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais". (art. 2º da CRP)

Acresce que a interpretação dada ao
art. 179º do CPP, pelos Venerandos Juízes Desembargadores, é ainda claramente ilegal face ao disposto no art. 8º ("Direito ao respeito pela vida privada e familiar") da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, assinada e ratificada pelo Estado português e de aplicação directa no ordenamento jurídico interno desde 9-11-1978, de acordo com o disposto no art. 8º nº 2 da CRP.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

"Numerus clausus" na advocacia...

Hoje (11 de Agosto) é celebrado o "Dia do Advogado" no Brasil.
Entre nós, em Portugal, assinalamos a comemoração a 19 de Maio, dia de São Ivo, patrono da classe.

A Ordem dos Advogados do Brasil denuncia a existência de excesso de advogados: 571.360 profissionais de advocacia; 1 advogado para cada 322 brasileiros.
Entre nós, em Portugal, também o excesso já se faz notar: 26.328 advogados; 1 advogado por cada 350 habitantes, regista a Ordem dos Advogados Portugueses.

O Brasil tenta minimizar os números e lutar contra esse excesso através do Exame de Ordem da OAB, em que, devido à acrescida dificuldade e exigência dos exames, a taxa de aprovação é baixíssima: cerca de 85% dos candidatos são reprovados! A exigência é fundamentada com a necessidade de qualidade no exercício da profissão e na defesa dos cidadãos. Os números de reprovações é explicado pela má formação dos candidatos que não se mostram capazes de com os seus conhecimentos exercerem uma advocacia de qualidade. As culpas são atribuídas aos estabelecimentos de ensino, para quem o Curso de Direito é apenas sinónimo de grandes encaixes económicos. "O problema é a proliferação de cursos que só pensam no lucro (...)"

Entre nós, em Portugal, não será proventura o Exame Final de Agregação que limitará o número crescente de advogados inscritos. No ano de 2007 são estes os números: 87% de aprovações! E destes dados se poderá depreender uma de duas coisas: ou os candidatos estão preparadíssimos para exercerem a profissão, devido à excelente formação que tiveram (quer na universidade, quer no período de estágio) e só 13% não o estão; ou o Exame de Agregação na O.A. não é assim tão exigente!

A primeira hipótese já a afastei da minha mente... Todos conhecemos a qualidade do ensino superior em Portugal (e não só no Curso de Direito!). Todos sabemos a preparação técnica e prática com que saem, da universidade, os finalistas do curso de direito...

Restando a segunda opção, urge questionar: e se o Exame Final da O.A. for mais exigente... isso vai reduzir o número de advogados?

SIM... mas será medida única e adequada?

A meu ver... não! Importa antes de mais não defraudar as expectativas de quem durante 5 anos (no mínimo) cursou Direito. Não é legítimo "acenar" com inúmeros cursos de Direito, com inúmeras vagas nas universidades, com igual número de promessas e depois, pura e simplesmente, "fechar a porta"! Não pode o Estado português continuar a permitir que apareçam em catadupa novos cursos de Direito ou novas vagas em cursos já existentes, sabendo à priori que o mercado de trabalho não terá capacidade para absorver tanta oferta de profissionais do foro!

Importa aplicar
URGENTEMENTE um "numerus clausus" nos cursos de Direito!

Importa diminuir o número de cursos. Importa limitar ainda mais as vagas.
Importa informar os jovens, desde cedo, que se realmente querem exercer advocacia, as exigências de qualidade começam ali mesmo: na candidatura de ingresso no curso de Direito! Parece-me ser isso bem mais justo e digno do que prometer uma "carteira profissional" e depois, ao fim de 5 anos de estudo, e porventura de sacrifícios, negar o acesso à profissão.

Mas também urge aumentar a qualidade do leccionar do curso de Direito em Portugal. Aumentar a exigência nos exames da faculdade; deixar de encarar o ensino superior apenas como uma máquina de fazer dinheiro em que, numa lógica de nexo causal, à entrada de euros corresponderá, obrigatóriamente e sem mais necessidades, a saída de um diploma! As universidades terão de parar com o "fornecimento" de licenciados em Direito e começar a abrir a porta de saída a juristas com aptidão, teórica e prática, em Direito.

Em suma, a restrição de acesso à profissão é uma realidade que é inevitável, face à inquestionabilidade dos números. Contudo, não deverá ser feita a um só passo e a uma só voz! Terá de ser efectuada paulatinamente, desde o ingresso no ensino superior até ao exame final da O.A., através de uma enorme conjunção de esforços de várias entidades, nomeadamente do Governo, das academias e dos seus corpos docentes e da Ordem dos Advogados.


quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Violência doméstica

Hoje li (aqui) que, só nos primeiros seis meses deste ano, apenas no Distrito Judicial de Lisboa e sem contabilizar o resto do país, já foram apresentadas mais de 4.000 queixas por violência doméstica.

É um indicador de duas realidades distintas:

1. As vítimas de violência doméstica já não gritam em silêncio. Perderam o medo de se fazerem ouvir. De participarem os seus lamentos (ou pelo menos, de verem denunciadas as suas situações, visto a desnecessidade actual de formularem queixa, bastanto tão só que alguém denuncie - em briga de marido e mulher... já se mete a colher!).
Apresentam queixas crime nas competentes instituições para o efeito. Tentam fazer valer os seus direitos, nomeadamente o direito a uma vida digna, à liberdade, à segurança pessoal e à integridade física e moral ( art. 3º da DUDH e artigos 25º, 26º e 27º da CRP)

2. Os processos judiciais,os tribunais, a justiça e a lei portuguesa parecem ineficazes para coibir e afastar os agressores da prática contínua do crime de violência domêstica, p. e p. no art. 152º do Cód. Penal.

Será por a lei ser demasiado branda com os agressores, estatuíndo uma pena de prisão que, preventivamente, não inibe os agressores de reincidirem na prática de tais actos?

NÃO aparenta ser essa a causa da ineficácia preventiva do disposto no art. 152º do CP.

Comparemos com o Direito Brasileiro:

- face aos inúmeros casos de violência doméstica registados, em 7-08-2006 (precisamente há 2 anos atrás!), é decretada a l
ei nº 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha em homenagem à biofarmacêutica com o mesmo nome, vítima por 2 vezes de tentativa de homicídio por parte do marido, uma das quais durante o sono e que a deixou parapégica, tendo o agressor só sido punido depois de 19 anos de julgamento e cumprido apenas 2 anos de prisão em regime fechado.

- nesse mesmo diploma estabelece-se que o agressor poderá ser detido em flagrante delito e ser decretada a sua prisão preventiva. Aumenta-se a a moldura penal de um máximo de 1 ano para 3 anos de prisão e preveêm-se medidas acessórias que vão desde a saída do agressor do domicílio à proibição de se aproximar da vítima ou filhos.

Ora, comparando com a legislação penal portuguesa, poderemos afirmar que a Lei Maria da Penha é mais branda na punição, mas mais severa em termos preventivos.

Vejamos a lei portuguesa:

- estabele-se uma moldura penal de 1 a 5 anos de prisão (que em casos especiais e mais gravosos poderá ir até um máximo de 10 anos de prisão!) - art. 152º do CP
- prevê-se igualmente a possibilidade de aplicação de penas acessórias ao agressor, nomeadamente o "afastamento da residência";
- também o agressor poderá ser detido em flagrante delito, nos termos do art. 255º e 256º do CPP ;

contudo, na generalidade dos casos, não poderá ser aplicada ao agressor, no crime de violência doméstica, a prisão preventiva!

O art. 202º nº 1 al. a) do CPP apenas possibilita a aplicação da prisão preventiva em crimes dolosos puníveis com pena de prisão de máximo superior a 5 anos e a moldura penal do art. 152º do CP apenas vai até aos 5 anos de prisão, não os ultrapassando! Apenas nas especificidades previstas no art. 152º nº 3 do CP a prisão preventiva poderá ser decretada, ou seja, quando o agressor ofenda gravemente a integridade fisica a vítima ou lhe cause a morte!

Em suma, no ordenamnto jurídico português a não possibilidade de aplicação da prisão preventiva aos agressores, nos crimes de violência doméstica, poderá surtir um sentimento de intocabilidade, impunidade e irresponsabilidade criminal.

A esse factor poderemos ainda aditar a demora da Justiça, no apuramento de responsabilidades, no julgamento dos factos e no efectivar das punições. Desde a data dos factos até ao efectivar das consequentes punições, poderão decorrer vários anos, sem que o agressor "sinta" que os seus actos são errados e criminalmente puniveis, sentindo-se impune e não se inibindo de reincidir na prática dos mesmos.


segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Pacta sunt servanda versus Rebus sic stantibus

Suponhamos que um famoso e muito cobiçado jogador de futebol, com contrato de trabalho desportivo assinado com um clube por X épocas desportivas, recebe uma proposta deveras aliciante (milionária até!), por parte de um outro clube desportivo, para assinar contrato e lá jogar as próximas época, acrescendo ainda o facto de aquele ser o sonho de uma vida do dito jogador.

Tudo isto num plano meramente hipotético... claro!

Deveria o dito jogador cumprir o contrato outorgado com o primeiro clube e ficar lá as restantes épocas desportivas, conforme havia sido firmado no contrato, ou deveria ceder aos seus desejos, rescindir o actual contrato e assinar outro pelo novo clube?

Muitas mentes cogitarão (nem que seja no seu intímo) que é dever moral do jogador ficar e cumprir o contrato que assinou até ao fim! "Um homem de palavra age assim" - dirão!

E juridícamente? O que diz o direito? Normas morais pouco dizem a um direito, por regra, amoral...

Não avançando pela Lei nº 28/98 de 26-06, que estabelece o Regime Jurídico dos Contratos de Trabalho Desportivos, vigente em Portugal, ou até pelas leis da FIFA, mas tratando-se acima de tudo de questões obrigacionais decorrentes de contratos firmados, parece-me que se impõem alguns esclarecimentos a este nível.


"Pacta sunt servanda" aclama-se desde Roma Antiga! Ou seja: os pactos devem ser respeitados; os contratos existem para serem cumpridos!

É o princípio geral da força obrigatória das obrigações contratuais, segundo o qual as partes estão imperativamente vinculadas ao que ficou cláusulado no contrato como se normas legais fossem. Depois de celebrado, com observância de todos os requisitos de forma e substância, objectivos e subjectivos, necessários à sua validade, os contratos devem ser executados pelas partes como se de preceitos legais imperativos se tratassem.

É o que estabelece o art. 406º nº 1 do Cód. Civil: o contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.

Ou nos casos admitidos na lei...

Ora, o art. 437º do mesmo diploma legal parece admitir precisamente isso. Admite que o contrato possa não ser cumprido ou, pelo menos, que as suas cláusulas, tal como foram estabelecidas inicialmente, possam ser modificadas.

Acolhe-se assim na legislação portuguesa, em matéria de direito obrigacional contratual, o princípio "Rebus sic stantibus" ou a Teoria da Imprevisão, que permite que, devido a essa mesma imprevisibilidade, um pacto ou contrato possa ser alterado ou resolvido sempre que as circunstâncias que envolveram a sua formação não sejam as mesmas no momento da execução, de molde a prejudicar uma parte em benefício da outra.

"Rebus sic stantibus" é assim uma excepção ao "Pacta sunt servanda" e nem sempre os contratos têm de ser cumpridos.

Mas por haver essa mesma possibilidade de os contratos não serem cumpridos é que as partes podem (devem), e têm por uso, estipular cláusulas penais que prevêm a rescisão unilateral contrato por uma das partes.

Dispõe o art. 810º do C. Civil que as partes podem fixar por acordo o montante de indemnização exigível no caso de não cumprimento do contrato.

As cláusulas de rescisão constantes de inúmeros contratos de trabalho desportivo mais não são do que cláusulas penais que visam isso mesmo: fixar o valor da indemnização exigível pela resolução do contrato e pelo seu não cumprimento.

Em suma: os contratos nem sempre têm que ser cumpridos e as partes podem acautelar (e acautelam!) essa possibilidade através das cláusulas penais.

Relativamente ao caso suscitado, não se me afigura coerente obrigar coercivamente o jogador a cumprir o contrato até ao fim. Pode o mesmo desvincular-se, rescindido com o clube que primeiramente o contratou, alegando alteração de circunstâncias, que no momento da formação do contrato de trabalho não existiam e eram imprevisíveis ( um convite para jogar no clube em que sempre sonhou jogar e com uma remuneração multimilionária!).

Não vejo também qualquer coerência e interesse, por parte da entidade patronal em obrigar o jogador a jogar onde ele não quer jogar, a "defender uma camisola" que ele não quer defender! Parece-me que está aqui em causa uma alteração de circunstâncias que fundamentam a resolução unilateral do contrato (rescisão) por parte do jogador.

Se essa rescisão está devidamente acautelada com uma cláusula de penal (cláusula de rescisão), então ainda mais legitimidade me parece deter o jogador para rescindir.

Rescinde e paga a cláusula de rescisão estipulada. O clube que o irá futuramente contratar paga o preço que tiver que pagar para comprar "o jogador".

O jogador fica contente porque vê os seus desejos realizados.
O clube com o qual primeiramente contratou vê todos os seus direitos acautelados e efectivamente pagos e fica sem um jogador desmotivado, contrariado e com quebra de rendimento em campo.

Tudo isto num plano meramente hipotético... claro!


sábado, 2 de agosto de 2008

Prisão por não pagamento de alimentos?

Tudo o que nasce ... morre! Inevitável o triste fado de tudo o que tem uma génese.

Assim o é com o casamento. Também ele, inevitavelmente, acaba por findar, seja com a morte de um dos cônjuges, seja, por antecipação, com o divórcio.

Mas nem tudo morre... Morrem as raízes ( não por regra!), morre o tronco, morrem os ramos e folhagens, mas... os frutos já cairam e foram colhidos.

Os FILHOS!

Esses ficam... esses perduram. E com eles nasce um dos mais debatidos e exasperados debates jurídicos a que podemos assistir em contencioso familiar...

O DIREITO A ALIMENTOS, devido aos filhos!

Na prática, várias questões controversas se colocam relativamente aos alimentos.

Primeiro importa distinguir os alimentos devidos a menores (aos filhos) de outras obrigações alimentícias legalmente estatuídas.

De seguida releva esclarecer o que são os alimentos devidos a menores enquanto figura jurídica: tudo o que é indispensável ao sustento, habitação, vestuário, instrução e educação do menor (Art. 2003º do Cód. Civil)

Depois existem dois pontos que há que analisar com mais minúcia:

1. A necessidade dos alimentos e os critérios de atribuição do direito a alimentos.
2. A efectivação prática do direito a alimentos judicialmente atribuido.

Ora vejamos,

1 - Quando os menores ficam à guarda de um dos pais, não será justo exigir a esse progenitor que assuma todas as despesas inerentes a essa guarda. A alimentação, a habitação e gastos inerentes, o vestuário e calçado, as despesas com a saúde, segurança, instrução, educação e actividades extra-curriculares do menor, por exemplo, não devem ser pagas apenas por esse progenitor. Esse dever recai sobre ambos os pais, até que os filhos estejam em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, esses encargos, (Art. 1874º nº 2, 1878º nº 1, 1879º do Cód. Civil) , estejam os pais casados ou não, juntos ou separados! E a isso não podem renunciar! (Art. 1882º do C.Civil)

Por isso mesmo, o progenitor que fica com a guarda do filho menor, tem legitimidade legal para requerer ao tribunal que fixe o montante com o qual o outro progenitor terá que comparticipar nas despesas com os alimentos (em sentido jurídico) do menor. (Art. 186º e segs. do D.L. nº 314/78 de 27-10)

Mas como se calcula esse montante?

Aparentemente seria de fácil aferimento: calcular-se-ia o total de todas as despesas com o menor e dividir-se-ia esse montante pelos dois progenitores!

Sucede que, na prática, o cálculo não é assim tão linear e as decisões judiciais devem ser pautadas pela casuística e equidade.

Porque montante a fixar a título de alimentos ao menor deve ser proporcional na razão das necessidades do alimentando e das possibilidades do alimentante. Não se pode exigir a um pai que dê a um filho, o que não tem! Não lhe pode ser exigível que proporcione um montante, a título de alimentos, que o filho efectivamente não necessite, privando o alimentante de uma vida digna. (Art. 2004º nº 1 do C. Civil)

Na realidade e na prática forense, enquanto advogado, tenho conhecimento pessoal de algumas decisões judiciais que
"contra legem" colocam o alimentante em situações de precaridade, atingindo até a própria subsistência do progenitor.

O alimentante não deverá ser penalizado em prestar alimentos em montante superior às suas capacidades ou possiblidades! Os doutos magistrados judiciais dessa exigência não devem descurar!

Mas tal "erro de cálculo" deve-se a várias permissas que pecam por erróneas.

Por exemplo, há quem erradamente entenda que o valor dos alimentos deve compensar as despesas com os encargos da casa do progenitor que tem a guarda. O alimentante teria que pagar assim as despesas com o menor e... com o outro progenitor! ERRADO! O valor de alimentos é devido aos filhos e não ao progenitor; há que atender às necessidades daqueles e não às deste último!

Depois, há quem entenda que o progenitor que não tem a guarda, deve pagar todas as despesas com o menor! ERRADO! Ele deve comparticipar. O progenitor que tem a guarda também! E atendendo às possibilidades económicas de cada um! E se o progenitor que detém a guarda alegar não deter meios para comparticipar, por não exercer actividade laboral, advogo que há que aferir as causas dessa mesma situação: não trabalha porque não pode ou não trabalha por opção própria? É uma situação de desemprego involuntário ou voluntário?

Alguns casos existem em que o progenitor que requer os alimentos tem mais possibilidade económicas do que o progenitor requerido e ainda assim lhe pede valores incapacitantes a título de alimentos devidos aos filhos! Porquê? Mesquinhez, vingança, orgulho ferido, despeito, ou...
"nem que seja só para aborrecer ou atormentar e fazer-se presente na vida do outro"! É a perfidez humana... Há que aferir casuísticamente... a bem da Justiça!

2 - E o que fazer quando o progenitor judicialmente obrigado a prestar alimentos não os satisfizer? Pode o outro progenitor obrigá-lo a pagar o montante em dívida?

Não será caso raro... Aliás, muito pelo contrário! É uma das principais causas de contenciosos nos tribunais (e não só em Portugal!).
Na prática, e não raras as vezes, bastará tão só o progenitor, que detem a guarda do menor, iniciar um relacionamento afectivo com um novo parceiro para (mais uma vez por mesquinhez, vingança, despeito, etc.) o outro progenitor, obrigado a prestar alimentos, cesse o pagamento!

A lei, prevê formas de reagir contra esta realidade:

- com a cobrança coerciva da prestação de alimentos, através do procedimento pré-executivo previsto no Art. 189º do D.L. nº 314/78 de 27-10 e requerer ao tribunal que o alimentante devedor seja condenado em multa e em indemnização a favor do menor (Art. 181º do mesmo diploma)

- com interposição de acção executiva especial por alimentos, nos termos do disposto no Art 1118º e segs. do Cód. Proc. Civil.

Mas... e se o alimentante devedor não tiver absolutamente nenhuns rendimentos ou bens conhecidos, capazes de serem deduzidos ou executados?

PODE O PROGENITOR JUDICIALMENTE OBRIGADO A PRESTAR ALIMENTOS SER PRESO POR NÃO SATISFAZER TAL OBRIGAÇÃO PARA COM O MENOR?

A título de Direito Comparado, podemos anotar que, por exemplo, actualmente no Brasil a lei é muito clara. Devido a uma imensidão de casos de falta de pagamento de alimentos devidos a menores, ocorrida num passado próximo, o legislador brasileiro decidiu intervir, criando o instituto da
"Prisão Civil por Inadimplemento de Pensão Alimentícia"

Dispõe o Art. 733ºdo C. Proc. Civil Brasileiro:

"§ 1º Se o devedor não pagar, nem se escusar, o juiz decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de um a três meses.
§ 2º O cumprimento da pena não exime o devedor do pagamento das prestações vendidas ou vincendas.
§ 3º Paga a prestação alimentícia, o juiz suspenderá o cumprimento da ordem de prisão."

E determina a Constituição Federal do Brasil (1988) no seu Art. 5º, LXVII:

"Não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel".

Resta referir que na República Federativa do Brasil, a lei é cumprida e não são raros os casos de prisão por falta de pagamento de pensão alimentícia!

Normalmente, a pena de prisão é executada em regime aberto, ou seja, permitindo ao condenado passar os dias (não as noites) fora do Estabelecimento Prisional ou Presídio, de molde a poder trabalhar e ter condições para cumprir com o pagamento dos alimentos devidos.

Entre nós, apesar de se clamar que não existe prisão por dívidas e que ninguém pode ser preso por falta de pagamento de obrigação a que estava adstrito, não nos podemos olvidar de que também o nosso Código Penal prevê e pune, no seu Art. 250º, o crime de "Violação da obrigação de alimentos".

Ou seja: SIM! PODE O ALIMENTANTE DEVEDOR SER CONDENADO A PRISÃO!

A lei prevê uma pena máxima de 2 anos de prisão ou 240 dias de multa.

Há então que aferir com seriedade, e conscientemente, o justo valor (de acordo com as possibilidades do alimentante e as reais necessidades do alimentando) a fixar a título de alimentos devidos a menor. Assim como há que aferir se as possibilidades económicas existiam ao tempo da decisão judicial que fixou alimentos e, à posteriori e voluntáriamente, com a intenção de não prestar alimentos, o alimentante se colocou na impossibilidade de o fazer e violar a obrigação a que está sujeito. (Art. 250º nº2 do Cód. Penal).

Resta referir que, ao contrário do que sucede no Brasil, em Portugal não tenho informação, nem conhecimento, de nenhuma condenação a pena efectiva de prisão por falta de pagamento de pensão alimentícia!