domingo, 5 de outubro de 2008

"Lei do Ruído"

No tempo que vivemos, o silêncio é um bem raro. É um bem escasso e, consequentemente, um bem económico.

Qual de nós, comum dos mortais, nunca experienciou a derradeira frustração de querer alcançar um pouco de silêncio e não conseguir?

Nos ruidosos tempos que correm, tal aparenta ser apenas apanágio dos Deu$es; um prazer que só eles conseguirão alcançar e fruir. Sirenes, buzinas, motores, máquinas, músicas, Tv's, etc... ; uma incessante amálgama de sons e ruídos; tudo é anti-silêncio e pró-evolução - tome ela o rumo que tomar! A poluição sonora instalou-se.

Decerto muitos argumentarão que ainda existem locais no Mundo onde é possivel sentir o prazer do silêncio...
Vero! Mas isso tem um determinado valor; um determinado preço de mercado e muitas das vezes apenas acessível aos Deu$es...

Contudo e apesar da ruidosa parafernália que actualmente vivemos, ainda existe um local onde idealizamos conceder à nossa audição a prazentosa sensação de silêncio: a nossa casa! Deitados sobre a cama, escutando o vazio... ouvindo o nada! Uma divina - porque rara - sensação...

Mas, normalmente, essa idealização não passa disso mesmo... de uma doce mas vã quimera. No momento em que tudo aparenta propiciar o desfrutar do desejado prazer do silêncio... BOOM ... o vizinho decide fazer obras em casa, aspirar a mesma ao som do último CD de um qualquer artista musical, experimentar o sistema surrround ou
quiça discutir com a esposa, atento um violento ataque de ciúmes!

Todos estaremos cientes dos efeitos nocivos da poluição sonora na saúde e no bem estar humano (perda de concentração, stress, perda de audição, transtornos do sono, perda de rendimento e produtividade, dificuldades nas comunicações, etc...). A prevenção do ruído e o controlo da poluição sonora, visando a salvaguarda da saúde humana e o "welfare" das populações, constitui hoje uma tarefa fundamental do Estado e da
Lei de Bases do Ambiente (Lei nº11/87 de 11 de Abril), ou seja, cabe ao Estado legislar no sentido de estabelecer um regime que proteja a sociedade dos incómodos dos ruídos e dos malifícios da poluição sonora.

Esse regime jurídico encontra-se actualmente previsto no
Regulamento Geral do Ruído (D.L. nº9/2007 de 27 de Janeiro) e nele se estabelecem limites às actividades ruidosas susceptíveis de causar incomodidade.

Vejamos alguns aspectos mais usuais e correntes que, na prática, não raras vezes são descurados ou desconhecidos:


a) ruídos produzidos em virtude de trabalhos ou obras de construção civil, realizadas fora do nosso edifício habitacional.

Este tipo de trabalhos é legalmente catalogado como "actividade ruidosa temporária" - art. 3º alínea b) - e o seu exercício é, em absoluto, proibido nas proximidades de hospitais ou estabelecimentos similares (a todo o tempo) e escolas (durante o período de aulas). De igual modo o é proibido nas proximidades de edíficios de habitação, aos Sábados, aos Domingos e feriados e nos dias úteis entre as 20H00 e as 8H00 - art. 14º.
O exercício de tais actividades pode contudo, de forma, excepcional e devidamente justificada, ser autorizado mediante requerimento e emissão de "licença especial de ruído" - art. 15º - a emitir pelos competentes serviços municipais.

b) ruídos produzidos em virtude de trabalhos ou obras, no interior do nosso edifício habitacional.

A realização deste tipo de obras, quando constitua fonte de ruído, não necessita de licença ou autorização especial, mas apenas é legalmente permitida nos dias úteis entre as 8H00 e as 20H00 - art. 16º nº1.
Acresce que, o responsável pela sua realização deverá afixar, em local visível a todos os utilizadores do edifício, um aviso com a previsível duração das obras e com o período em que se preveja ocorrer maior intensidade de ruído - art. 16º nº 2.

c) ruídos emitidos por "saídas de escape" de veículos motores.

Os valores de ruído sonoro permitidos são os estabelecidos no livrete do veículo, acrescidos de uma tolerância de 5dB - art. 22º nº 1.
A fiscalização e controlo é efectuada aquando a realização de inspecção periódica a que serão obrigatóriamente sujeitos.

d) "ruídos de vizinhança"

Conceitualmente são ruídos associados ao uso habitacional e ás actividades que lhe são inerentes, produzidos directamente por alguém ou por intermédio de outrem, por coisa à sua guarda ou animal colocado sob sua responsabilidade, que, pela sua duração, repetição ou intensidade, seja susceptível de afectar a saúde pública ou a tranquilidade da vizinhança [art. 3º alínea r)]. É aconselhável tentar diminuir verificação ou a intensidade de tais ruídos entre as 23H00 e as 7H00 (art. 24º nº 1). Para espanto de alguns, durante o período temporal que medeia as 7H00 e as 23H00 , a realização de tais ruídos também não é ilimitadamente permitida, sendo possível as autoridades policiais fixarem um prazo ao "vizinho barulhento" para que cesse a incomodidade (art. 24º nº2).

O exercício de actividades ruidosas em violação do supra explanado, constitui ilícito contra-ordenacional; são "contra-ordenações ambientais leves", nos termos do disposto no art. 28º nº 1 do Regulamento Geral do Ruído.
O "lesado" poderá efectuar queixa/denúncia junto das competentes autoridades policiais, requerendo desde logo a suspensão ou cessação da actividade ruidosa, devendo ser por tais autoridades lavrado auto da ocorrência a remeter ao Presidente da Câmara Municipal para instauração do respectivo procedimento de contra-ordenação e aplicação de coima [art. 18º, 24º, 30º nº2 do referido diploma legal].


Importa contudo concluir que, embora nem sempre conseguamos atingir o silêncio que almejamos e que deveria ser atingível, atento o regime jurídico atrás exposto, é de relevar um aspecto crucial nesta matéria: em prol da boa sociabilização e vizinhança, devemos imbuir-nos aqui de elevado bom senso, de modo a não nos tornar-mos de tal modo mesquinhos e picuinhas, coartando outros tantos direitos fundamentais alheios apenas em prol do nosso direito ao silêncio.

Um comentário:

Anônimo disse...

Gostei da forma como a questão é aqui apresentada. Claro, e faz sentido.
No caso de cães contudo, não há um botão on/off e portanto mesmo um cão bem comportado e bem tratado pode, por vezes, fazer barulho a mais em horas menos recomendáveis... basta um intruso que espreita/ronda, ou um cão à distância, ou uma qualquer situação imprevista.
Como as denúncias são feitas anonimamente, parece-me que podem até ser usadas como ferramenta para má vizinhança e até como meio de agressão a outros vizinhos. Que defesa têm os acusados de fazer barulho, quando a queixa é desprovida de razoabilidade???!!! Das visitas da polícia não se livram, mesmo que em cada visita nada detectem!!!