segunda-feira, 10 de novembro de 2008

C.E.D.H. - 30 anos de adesão


Portugal congratula-se hoje com os 30 anos de adesão à Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH).

Importante instrumento jurídico na defesa dos direitos, liberdades e garantias, imprescindível em qualquer Estado de Direito que assim se intitule, a CEDH consagra uma série de direitos civis e políticos, ao mesmo tempo que tenta garantir que os próprios Estados a respeitem, criando e gerindo um mecanismo institucional que permita proteger direitos "não teóricos ou ilusórios, mas concretos e efectivos".

Para tal efeito, confia primeiramente que cada um dos Estados, que a ela aderira, terá o cuidado de assegurar a efectivação das garantias e direitos que consagra, concedendo a cada Estado liberdade de apreciação suficiente na aplicação da Convenção e tomando uma postura subsidiária, apenas intervindo as instituições por ela criadas, quando já esgotadas contenciosamente todas as vias de recurso internas.

De facto, foi a 9 de Novembro de 1978 que a Convenção entrou em vigor na ordem jurídica portuguesa.

Mas será que todos os seus ditames são verdadeiramente respeitados pelo Estado Português? Será que o Estado de Direito português reconhece e garante verdadeiramente os direitos e liberdades nela consagradas? Será verdadeiramente aplicada no foro interno ou tal adesão não passou afinal de uma mera ilusão e formalismo de política internacional?

Concretizando um pouco mais, será que o Estado português garante eficazmente e "in facto", por exemplo, o direito a indemnização em virtude de privação ilegal de liberdade, o direito a ser judicialmente julgado em processo equitativo e prazo razoável, o direito à presunção de inocência até trânsito em julgado de decisão judicial de condenação, o direito a dispor do tempo e dos meios necessários à preparação da defesa, o direito a obter o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições que as testemunhas de acusação, o direito ao respeito pela vida privada, domicílio e correspondência, o direito à igualdade entre os cônjuges , o direito à proibição de discriminação?

Analisemos a prática:

- direito a indemnização em virtude de privação de liberdade ilegal ou injustificada, apenas era concedido se ficasse provado que houve erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia. Ora prática corrente era que ficasse provado que houve erro... mas nunca grosseiro e sempre desculpável, não havendo por isso direito a qualquer indemnização.
Hoje, com a última alteração ao CPP, o art. 225º parece tomar uma direcção mais garantista de tal direito, alargando as hipóteses da sua concessão... Restar-nos-á observar como irá o julgador de futuro aplicar (ou não) na prática tal preceito.

- o direito a um processo equitativo e a ser judicalmente julgado num prazo razoável será talvez o ponto negro do incumprimento da CEDH pelo Estado português: não há claramente igualdade de armas entre o Ministério Público e a defesa dos arguidos; parte-se na maior parte das vezes da norma criminal para nela se tentar encaixar factos praticados (ou não) pelo arguido, tomando-se uma postura totalmente acusatória , ao invés de se procurar a verdade material; os processos arrastam-se; os prazos são largamente ultrapassados e quando se requer incidente de aceleração prossessual, logo o mesmo é indeferido, alegadamente por os atrasos se encontrarem devidamente justificados.

- o direito à presunção de inocência é muitas das vezes uma mera formalidade: são os arguidos tratados sempre como culpados; desde os orgãos de polícia criminal, passando pelos orgãos de comunicação social e pelo M.P. e, lastimavelmente, findando em alguns julgadores, o arguido é, logo desde o início do Inquérito, CULPADO! Apenas restará aferir se existe prova, ainda que não seja forte, para o condenar ou não!

- o direito a tempo e meios necessários para a preparação da defesa, assim como o de serem as testemunhas de defesa interrogadas nas mesmas condições que as de acusação é utopia na prática penal em Portugal, assim como o é o principio da paridade de armas entre o MP e a Defesa.! Por regra, o julgador crê como inquestionável a prova produzida pelo MP e desconfia de toda a facultada pelo arguido; à testemunha de acusação o julgador sorri;à de defesa, o julgador cerra os dentes!

- relativamente ao direito à vida privada, ao domicílio e à correspondência, bastará ler algumas decisões de tribunais superiores para realçar a sua clara violação pelos orgãos judiciais portugueses. O mesmo se diga relativamente ao direito à igualdade entre os cônjuges e à não discriminação, num sistema judicial em que a guarda dos filhos menores é maioritáriamente atribuída à figura materna.

É triste que em Portugal, na prática, ainda não vigore verdadeiramente o importante instrumento jurídico que é a CEDH, que consagra verdadeiros direitos, liberdades e garantias de todo o ser humano e que deveria ser directamente aplicada, pelos julgadores, na ordem juridica interna, por força do disposto no art. 8º nº2 da Constituição da República Portuguesa!

Ao fim de 30 anos de adesão, resta agora esperar que o julgador português encare a CEDH como verdadeiro direito material, a aplicar directamente pelos tribunais nacionais e sem necessidade de o comum cidadão ter que interpor recurso para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, contra o Estado Português, por violação das garantias nela consagradas.


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