sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Princípio da certeza jurídica

É com tristeza e inconformado que assisto ao ruir da organização, sistematização e coerência legislativa em Portugal!

A certo momento legisla-se no sentido de reformar a lei processual penal seguindo uma orientação limitativa das possiblidades de aplicação da prisão preventiva e adoptando uma visão pragmática e economicista, encarando ainda mais a prisão preventiva, medida restritiva de liberdade, como excepcional e subsidiária. Depois e não decorridos mais de 12 meses sobre alteração legislativa nesse mesmo sentido, clama-se por nova alteração da lei penal, orientada em sentido totalmente oposto, que vá ao encontro da opinião pública. Legisla-se erradamente ao sabor dos casos concretos; legisla-se consoante o "ruído público" e as necessidades/ interesses dos partidos políticos.

Se é correcto advogarmos que a lei deve ser maleável e ajustável às realidades sociais, sofrendo adaptações, consoante as mutações e necessidades dos ordenamentos sociais, igualmente erróneo não será defendermos que o legislador tem de oferecer certeza e segurança jurídica à sociedade, sendo má prática a mutação constante da lei, mormente da lei penal, restritiva de direitos, liberdades e garantias fundamentais.

Os cidadãos têm direito a, seguramente, saber com que leis podem contar! O legislador tem de oferecer estabilidade ao ordenamento jurídico, protegendo a confiança dos cidadãos no Direito e assegurando maior segurança, certeza e precisão nas situações jurídicas.

"Heureux le peuple dont l’histoire est ennuyeuse!" (Montesquieu)


O princípio da certeza e da segurança jurídica, enquanto viga mestra do Estado de Direito (art. 2º da CRP) - em parceria com o da legalidade - e um dos sub-princípios integradores do seu próprio conceito, é uma exigência e um requisito legislativo fundamental.

"O homem necessita de uma certa segurança para conduzir, planificar e conformar autónoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se considerou como elementos constitutivos do Estado de Direito o princípio da segurança jurídica e o princípio da confiança do cidadão.(...)
A ideia de segurança jurídica reconduz-se a dois princípios materiais concretizadores do princípio geral da segurança: princípio da determinabilidade de leis expresso na exigência de leis tendêncialmente ESTÁVEIS, ou, pelo menos não lesivas da previsibilidade e calculabilidade dos cidadãos relativamente aos seus efeitos jurídicos." - conclui J. J. Gomes Canotilho.


Não optando por trilhar o caminho da análise e discussão das virtualidades ou defeitos inerentes às alterações da legislação penal que entraram em vigôr em Setembro de 2007 (Lei 48/2007 de 29-08), importa realçar que as mesmas não surgiram do nada! Foram - ou pelo menos, deveriam ter sido - objecto de ampla análise, estudo e discussão na Assembleia da República!

Importa não esquecer que as referidas alterações legislativas, que hoje muitos criticam e apelidam de "aberrações jurídicas", surgiram como resultado de um
complexo e organizado processo legislativo parlamentar, no âmbito da reserva relativa de competência legislativa da A.R. (art. 161º al. c) e 165º nº 1 al. c) da CRP)

Resumindo ao máximo: o processo legislativo teve a sua génese em iniciativas legislativas dos vários partidos políticos parlamentarmente representados, que formularam propostas de lei; essas propostas foram à posteriori apreciadas e alvo de debate na generalidade e de debate na especialidade; depois, foram votadas na generalidade, votadas na especialidade e sujeitas a votação final global, tendo sido aprovadas, no âmbito do Pacto para a Justiça, com votos favoráveis do PS e PSD, abstenção do CDS-PP e votos contra do BE, do PCP e do PEV; in fini, foi promulgada pelo Exmo. Senhor Presidente da República.


Caracteriza-se pois como duvidosa a coerência e razão de alguns dos partidos políticos, ao lançarem sucessivos ataques sobre tais alterações, atendendo a que tiveram, em tempo e legitimamente, oportunidade de as não aprovarem e de se insurgirem contra elas no processo legislativo parlamentar.

Ao legislador cumpre legislar com coerência, inteligência e sistematização. Tem de legislar consciente das leis que produz e das suas consequências práticas. Não pode legislar de ânimo leve. Não pode legislar por legislar, de olhos fechados para o futuro, acarretando tal irresponsabilidade uma caótica e emaranhada amálgama de alterações legislativas, contrária à estabilidade e segurança que se quer no ordenamento jurídico de um Estado de Direito!

Seguro que "não há leis imutáveis", impõe-se que elas sejam, pelo menos, estáveis!

Um comentário:

Anônimo disse...

Então fascinante este blogue está muito organizado.........bom trabalho :)
Muito Bonito faz mais posts assim !