sábado, 13 de setembro de 2008

Do Deficitário Acesso ao Direito

Sucedem-se em catadupa os casos, dos quais tenho conhecimento próprio, de processos-crime em que o Ministério Público finaliza o inquérito proferindo despacho no sentido do arquivamento dos autos, nos termos do art. 277º nº 1 do CPP, por prescrição do direito de queixa, por falta de constituição de assistente no prazo, legalmente estabelecido para o efeito, ou por não ter sido, atempadamente, junto aos autos o comprovativo do pedido de apoio judiciário.

De facto, a generalidade dos ofendidos apresenta queixas e denúncias, não sabendo que, a partir da data dos factos ou do seu conhecimento, têm um prazo de seis meses para o fazer e que iniciam ali um processo sucessivo de actos e fases processuais, também eles/elas sujeitos a prazos. Daí se conclui que muitos dos inquéritos penais findam, com o arquivamento dos autos, por falta de informação acerca do encadeamento de actos/prazos inerentes ao processualismo jurídico-penal e por culpa de uma deficitária cultura jurídica da generalidade do povo português.

Caberá ao Estado, em cumprimento do disposto nos
nºs 1 e 2 do Art. 20º da Constituição da República Portuguesa, garantir o efectivo acesso, de todo e qualquer cidadão, ao direito e aos tribunais, sendo essa respondabilidade inteiramente por si assumida no Art. 2º nº 1 da Lei nº 34/2004 de 29 de Julho. "O acesso ao direito compreende a informação jurídica e a protecção jurídica" - estatui-se ainda no nº 2 do referido preceito legal.

Concretizando o conceito de
"dever de informação jurídica", dispõe o Art. 4º da Lei nº 34/2004 de 29-07 que "incumbe ao Estado realizar, de modo PERMANENTE e planeado, acções tendentes a tomar conhecido o direito e o ordenamento legal, (...) com vista a proporcionar um melhor exercício dos direitos e o cumprimento dos deveres legalmente estabelecidos", devendo para o efeito, ser "gradualmente criados serviços de acolhimento NOS TRIBUNAIS E SERVIÇOS JUDICIÁRIOS" (Art. 5º nº 1 do mesmo diploma).

No regime de acesso ao direito e aos tribunais, estabelecido antes da entrada em vigôr da
Portaria nº 10/2008 de 3 de Janeiro, o dever de informação jurídica era efectivamente cumprido pelo Estado, sendo que, nos dias e horários de funcionamento dos Tribunais, estariam sempre presentes um ou mais Advogados nas instalações da "Domus Justitia", em sala a eles destinada. Qualquer dúvida que importunasse a mente do comum cidadão, qualquer esclarecimento que necessitasse, poder-se-ia sempre dirigir, ou era diligentemente encaminhado, à Sala dos Advogados.
"Lá o Sr. Doutor explicar-lhe-á tudo isso!"
- elucidavam nas Secretarias os funcionários de Justiça.
E os cidadãos não só eram efectivamente informados, acerca dos seus deveres e direitos processuais, como aí mesmo eram elaborados, de forma totalmente gratuita ,requerimentos vários, para os quais os requerentes (cidadãos) não detinham capacidade técnica de redação.
O Estado cumpria com as suas obrigações. Promovia a informação jurídica, assegurando a presença de Advogados, nas instalações dos Tribunais, através de escalas de urgência presenciais, os quais prestavam tal informação gratuitamente, apenas recebendo honorários por diligências processuais efectuadas ou, caso não as realizassem, cerca de € 72,00 pela sua presença física.

Hoje, com o devido respeito e salvo melhor entendimento, o Estado, adoptando uma postura escabrosamente economicista, exime-se , de forma atroz e ilegal, da sua assumida responsabilidade e dever de prestar informação jurídica a todo e qualquer cidadão.
Ao estabelecer-se, como regra, as escalas de prevenção não presenciais, em que o Advogado não tem de estar efectivamente presente nas instalações dos Tribunais, apenas lhe cabendo estar contactável e disponível para se deslocar, caso a sua presença seja solicitada
(Art. 4º da Portaria nº 10/2008 de 3-01), o Estado incumpre nas suas obrigações. O que deveria ser regra - a presença efectiva de Advogados que informassem e auxiliassem os cidadãos - é agora, de forma inaceitável, excepção! - Art. 4º nº 2 "in fine" da citada Portaria.

Os cidadãos não são correcta e convenientemente esclarecidos! Estão entregues a eles mesmos, sem a apoio judiciário que necessitam e a que têm constitucionalmente direito!
Os Advogados em escala de prevenção, passaram a estar, por um dia inteiro, afectos aos Tribunais. Continuam "presos"; não se podem deslocar para muito longe, sob pena de ser solicitada, pelo Tribunal, a sua presença, e a essa solicitação não poderem atender! Vêem-se muitas das vezes obrigados a adiar diligências de clientes seus ou a substabeler em Colegas para as efectivar! Mas agora o Estado, que antes, com postura e honra, recompensava o incómodo causado com € 72,00 por cada período manhã/tarde, hoje exime-se de pagar qualquer valor a título de recompensa pelos incómodos causados ao Advogado por um dia inteiro!
Os Meretíssimos Juízes, os Oficiais de Justiça, os arguidos, os Colegas (e a Justiça em geral!), têm de esperar que o Advogado seja contactado e que se desloque ao local da diligência. Todos esperam! Esperam porque a isso estão legalmente obrigados
(Art. 4º nº 4 da Portaria 10/2008), como se a lentidão da Justiça Portuguesa não fosse um efectivo problema do nosso sistema jurídico!
As "Salas de Advogados" não têm agora qualquer utilidade. São agora espaços mortos, vagos e desaproveitados! Não creio que existam Colegas que, prescindindo de estarem nos seus escritórios, optem por permanecer em salas pequenas e algumas delas sem o mínimo de condições! -
vide Sala dos Advogados do TPIC ou dos Juízos Criminais de Lisboa.

Actualmente, se um qualquer cidadão, em plena "Domus Justitia", solicitar por informação jurídica, no âmbito do sistema de acesso ao direito, são-lhe conferidos esclarecimentos (na melhor das hipóteses!) por funcionários judiciais! Se solicitar que lhe elaborem um qualquer requerimento, é-lhe facultada uma minuta (igual para todo e qualquer requerimento!) e referido que é uma coisa simples: só preencher, assinar e entregar! Se quiser apoio de profissional do foro, técnicamente credenciado para o coadjuvar na elaboração de tal requerimento, solicitando a presença de Advogado de molde a concretizar o direito previsto no nº 2 do Art. 20º da CRP, é-lhe referido (como eu presencialmente já assisti!) que "Não precisa da Advogado para nada! Aquilo é só preencher!". Se o cidadão insistir... não sei o que poderá acontecer... Talvez o aconselhem a requerer Apoio Judiciário junto da Segurança Social e esperar que lhe seja nomeado um Defensor!!

Do exposto, digam o que disserem, aleguem o que de mais legítimo aprovirem, na minha perspectiva e salvo melhor entendimento, a instituição de escalas de prevenção não presenciais em detrimento de uma efectiva presença de Advogados nos Tribunais, no âmbito do regime de acesso ao direito e aos tribunais, nada mais é que uma clara violação do disposto no
Art. 20º nº 1 e 2 da Lei Fundamental e nos Artigos 1º, 2º, 3º nº 1, 4º e 5º nº 1 da Lei nº 34/2004 de 29 de Julho, constituindo efectiva DENEGAÇÃO DE JUSTIÇA por parte do Estado Português!

Tenho dito!

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