terça-feira, 16 de setembro de 2008

Actos próprios dos advogados e procuradoria ilícita

A Ordem dos Advogados parece verdadeiramente empenhada na luta contra o flagelo da procuradoria ilícita em Portugal. Cerca de 711 processos de procuradoria ilícita abertos, no ano de 2007, pelos Conselhos Distritais da OA - segundo dados recolhidos, há bem pouco tempo, pelo Ilustre Dr. Pires de Lima.

"Procuradoria ilícita é crime!" - adverte-se.

Para o efeito, Conselho Distrital de Lisboa (CDL) solicitou e obteve, no transacto dia 15-07-2008, por parte do Conselho Superior de Magistratura (CSM), uma já desejada cooperação entre instituições nesse mesmo âmbito, tendo o Conselho Plenário Extraordinário do CSM deliberado no sentido de, passo a citar:

"(...) fazer circular pelos Exmos. Magistrados colocados nos Tribunais de 1ª Instância do Distrito Judicial de Lisboa o expediente remetido pelo Exmo. Presidente do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, Dr. Carlos Pinto de Abreu, relativamente ao combate à procuradoria ilícita."

Importa pois, desde já, definir o conceito de "procuradoria ilícita".

Nesse sentido, dispõe o art. 7º nº 1 da Lei nº 49/2004 de 24-08 que "quem ,em violação do disposto no artigo 1º, praticar actos próprios dos advogados e solicitadores, (...) é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias."

Por sua vez, o art. 1º do mesmo diploma legal refere que só os advogados (inscritos como tal na OA) e os solicitadores (inscritos na Câmara de Solicitadores como tal) podem praticar os actos próprios dos advogados e dos solicitadores. A título de exemplo de actos próprios de advogados e solicitadores, no nº6 do citado preceito refere-se: a elaboração de contratos (arrendamento, trabalho, trespasse, promessa compra e venda, etc.); a prática de actos preparatórios tendentes à constituição, alteração ou constituição de negócios jurídicos ( cessão de quotas, alteração do pacto social, pedido de certificados de admissibilidade, etc); a prática de actos junto das conservatórias e cartórios notariais (pedidos de registo, marcação de escrituras, actos sucessórios, etc) e a negociação tendente à cobrança de créditos.

Atentos à legislação e à sociedade actual, fácil será discorrer da existência de vários esquemas de procuradoria ilícita. Desde sociedades imobiliárias que, sem advogado ou solicitador, elaboram contratos e encarregam-se de todos os actos junto de conservatórias e cartórios, passando por contabilistas e gestores que criam sociedades comerciais, aumentam capitais sociais e elaboram contratos de trabalho ou pelo comum do cidadão que pega numa minuta na internet e elabora um contrato para o amigo e terminando nas empresas de cobrança de créditos ... tudo isto constitui práticas ilegais e criminalmente previstas e punidas, como crime de procuradoria ilícita!

Mas nada disto é novidade. Inovação afigura-se agora o compromisso, assumido pelo CSM, em cooperar na luta contra a procuradoria ilícita, promovendo que os Magistrados denunciem efectivamente tais crimes quando deles tenham conhecimento (parece ser essa a interpretação a dar à deliberação do Conselho Plenário Extraordinário do CSM).

É com agrado que constato a postura do CSM, relativamente à matéria em análise, mas impõem-se naturalmente algumas questões:

- constituindo a procuradoria ilícita crime, p. e p. nos termos do art. 7º nº 1 da Lei nº 49/2004 de 24-08 e atento o disposto nos artigos 242º e 243º do CPP, conjugado com o art. 386º do CP, não será a sua denúncia legalmente obrigatória para os doutos Magistrados? Haveria necessidade de "pedinchar" aos Magistrados para que denunciem criminalmente casos de procuradoria ilícita de que tenham conhecimento? Tal não decorre dos seus deveres legais?

Note-se que para os Magistrados a denúncia não é meramente facultativa... mas sim obrigatória. Estão obrigados a denunciar todos os crimes de tenham conhecimento no exercício das suas funções e por causa delas, não devendo deixar de o fazer, sob pena de, também os Meretíssimos, incorrerem na prática de um ilícito criminal: a denegação de justiça (art. 369º do CP).

Conclui-se que, a deliberação do Conselho Plenário Extraordinário, aparentando ser um gesto de extrema boa vontade e cooperação, por parte do Conselho Superior da Magistratura, no âmbito da luta contra a procuradoria ilícita em Portugal, mais não é que um mero "fait diver", uma vez que os doutos Magistrados a isso estão legalmente obrigados, no âmbito e como consequência da sua actividade profissional.


2 comentários:

Anônimo disse...

intiresno muito, obrigado

Projecto Cidade disse...

Prezado Jurista e Bloguer, quando a definição de "procuradoria ilícita" pretende até impedir dois homens livres de livre e lhanamente transportarem para um papel costaneira a matéria de um contrato (até de trabalho!), e atenta a circunstância de que o demais - e sobretudo a matéria adjectiva - está na Lei (geral ou especial) e vigora sobre esse contrato particular, diga-me, por favor, se devemos alterar a CRP e constranger a liberdade ou é o excesso de zelo da cruzada contra a procuradoria ilícita que tem que ser moderado?... Antes de me responder, peço-lhe por favor que tenha presente o seguinte, a) a maior parte dos latinismos jurídicos que ainda hoje vinculam o Direito são de anónimos, uma ou outra vem com uma atribuição nominal (mas apócrifa) a um filósofo (assim reconhecido pelo que publicou e não por lhe ter sido atribuída a licenciatura pela “fac-fil”) e tampouco chegaram até nós validadas por um colégio como a OA; b) Jerónimos ou Alcobaça são edificações projectadas e concretizadas por homens que não fizeram a faculdade de arquitectura nem a de engenharia e muito menos fizeram o exame de ingresso nas "Ordens", c) entre os redactores das principais constituições ocidentais do séc. XIX também havia/haveria advogados (ao tempo, "bacharéis de leis") e juízes, mas por pertencerem ao "corpo político" e não por serem juristas. Obg.