sábado, 6 de setembro de 2008

O "Defensor Público"

Tomei conhecimento através de comunicado do Conselho Geral da O.A., que o Bloco de Esquerda havia apresentado proposta pública visando a criação da figura do "Defensor Público" no âmbito do acesso ao direito e aos tribunais.

Cumpre referir que se concorda, em absoluto e inequívocamente, com a posição desde já tomada pelo Exmo. Senhor Bastonário e pelo Conselho Geral da OA.
Mesmo sem conhecer do mérito e do conteúdo de tal proposta, afigura-se que a "funcionalização pública", inerente à carreira de Defensor Público, retiraria de forma inegável, ao advogado, a independência necessária a todo e qualquer bom patrocínio forense. Seria negar, ainda que indirectamente, igualdade de patrocínio entre ricos e pobres, uma vez que a representação forense destes últimos sempre se encontraria coarctada e limitada por uma dependência laboral e hierárquica do Defensor Público ao Estado!

"O advogado, no exercício da profissão, mantém sempre em quaisquer circunstâncias a sua independência, devendo agir livre de qualquer pressão (...)"
- art. 84º do Estatuto da OA.

O advogado deve ser independente perante o patrocinado, colegas, comunicação social, tribunais e outras demais e quaisquer entidades. Deve agir livre de todas e quaisquer pressões exteriores e evitar atentados à sua independência! Se, de alguma forma, concluir que não é livre no seu agir e no exercício da profissão, não descurando a ética profissional, deontológicamente deverá renunciar ao mandato!


Independência é "ausência de toda a forma de ingerência, de interferência, de vínculos e de pressões, quaisquer que sejam, provenientes do exterior, e que tendam a influenciar, desviar e distorcer a acção do ente profissional" - Carlo Lega inDeontologia de la Profession de Abogado.

A independência está para o advogado, assim como a imparcialidade e a isenção estão para o juíz!

Mas, após esta pequena reflexão e tomada de posição acerca da criação da carreira de Defensor Público, cumpre analisar a figura e esclarecer algumas questões.

Tal figura encontramo-la, por exemplo, no ordenamento jurídico brasileiro, onde existe a "Defensoria Pública", instituição pública incumbida de "prestar assistência jurídica, judicial e extra-judicial, integral e gratuita, aos necessitados" (Lei Complementar nº 80/94).
Para ingressar na carreira, os candidatos têm de ter registo na OAB, um mínimo de 2 anos de prática forense e sujeitarem-se a concurso público. Após sujeitos a provas públicas, se forem aprovados, o candidato é nomeado Defensor Público pelo chefe do Executivo e, após a posse, passa a estar investido no cargo público. Aos Defensores Públicos são concedidas vários
direitos e garantias, nomeadamente inamovibilidade, irredutibilidade dos vencimentos e estabilidade, assim como possiblidade de progressão na carreira. São-lhes concedidas igualmente certas prerrogativas, tais como: intimação pessoal de todos os actos, em qualquer processo, e contagem em dobro de todos os prazos; não ser preso senão por ordem judicial escrita, salvo em flagrante; direito a prisão especial separada dos demais, em caso de prisão preveniva ou sentença condenatória; manifestar-se por meio de cotas nos autos e ter o mesmo tratamento dos magistrados. Cumpre ainda referir que a remuneração inicial de um Defensor Público, no Brasil, é de cerca de R$ 12.000, ou seja, cerca de € 4.875!

Face o exposto, questiona-se: a figura de Defensor Público, cuja criação foi proposta para Portugal, também teria todas estas garantias e prerrogativas especiais? Teria o Estado capacidade para conceder ao Defensor Público a contagem em dobro de todos os prazos? A nível de remunerações, o Defensor Público iria auferir um rendimento dignificante face ao seu status ou continuaria a receber em função dos vergonhosos valores constantes da Tabela de Honorários anexa à Portaria nº 1386/2004 de 10 de Novembro??? E iria receber todos os meses e atempadamente?

Não comparando com o regime instituído na República Federal do Brasil, ainda assim urge questionar:

-haveria, em Portugal, abertura para conferir ao Defensor Público um estatuto dignificante e ao nível do conferido ao Procurador do Ministério Público, na
Lei nº 60/98 de 28-08?

(que em suma, desempenhará o mesmo papel na Justiça, mas em lados opostos da barricada!)

-ao Defensor Público seria concedida uma remuneração de cerca de 3.200 euros/ mensais liquidos, com possibilidade de progressão na carreira?
-ao Defensor Público seria possivel conceder dispensa de serviço, subsidios de fixação, subsidio para despesas de representação, reembolso de despesas de deslocação e ajudas de custo?
-ao Defensor Público seria aplicado um dispositivo em tudo igual ao art. 91º da supra referida lei e relativo à prisão preventiva?
-ao Defensor Público seria atribuida, pelo Estado, uma casa de habitação?
- e todos os direitos especiais conferidos no art. 107º do Estatuto do MP, seriam igualmente conferidos ao Defensor Público?

São, todas estas, questões relevantes que carecem de ser, a meu ver, devidamente analisadas face ao ordenamento jurídico português.


Um comentário:

Alexandre Cândido disse...

caro colega,
com relação ao seu artigo intitulado o "defensor público" com o qual estou de acordo ,cumpre só realçar que a defensoria pública no estado do RJ (pois os defensores públicos são funcionários estaduais) lutam já há alguns anos pela mesma igualdade de regalias concedidas ao MP...se eles soubessem como anda a justiça por cá estariam era calados e agradecidos ....