quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Sigilo da correspondência

Nos termos do disposto no art. 34º nº1 da Constituição da República Portuguesa, "(...) o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis". Mais acrescenta o nº 4 do mesmo preceito da lei fundamental que "é proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo penal".

Face ao exposto e constitucionalmente consagrado, é MUITO GRAVE a interpretação dada ao art. 179º do Cód. Proc. Penal, pelos Exmos. Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão de 15-07-2008, proferido no Processo 3453/2008-5, segundo a qual a Polícia Judiciária poderá aceder, sem prévia autorização por parte do Juiz de Instrução Criminal (JIC), ao conteúdo das mensagens (SMS) guardadas no telemóvel, depois de lidas, entendendo que "a apreensão da SMS já recebida e aberta não terá mais protecção que as cartas recebidas, abertas e guardadas pelo seu destinatário".

Com o devido respeito, trata-se de uma errada e perigosa interpretação do
art. 179º do CPP, constituindo a apreensão de mensagens escritas (SMS), sem prévia autorização judicial, uma clara ilegalidade e um grave atropelo aos direitos fundamentais dos cidadãos e constitucionalmente reconhecidos.

O direito ao sigilo de correspondência abrange o conteúdo de toda a correspondência e de outros meios de comunicação (cartas, postais, impressos, telefonemas e... SMS's) e as restrições a este direito só estão constitucionalmente autorizadas em processo penal, conforme o que se dispõe no
art. 34º nº 4 da CRP. Tais restrições estão previstas por exemplo no art. 179º e 187º do CPP, onde se prevê a possibilidade de apreensão de correspondência e de interceptação e gravação de conversações ou comunicações telefónicas, mas SEMPRE com prévia autorização judicial, sob pena de nulidade!!

O direito à inviolabilidade da correspondência trata-se de um direito fundamental, constitucionalmente consagrado, e estreitamente relacionado com o direito à intimidade pessoal (
art. 26º da CRP) e qualquer violação de direitos fundamentais do cidadão é um claro atropelo a um Estado de Direito Democrático.

A interpretação dada ao
art. 179º do CPP, pelos Venerandos Desembargadores do TRL no douto Acórdão supra referenciado, é assim, no meu entender, claramente ilegal, ferida de inconstitucionalidade e um grave atropelo ao Estado de Direito em que vivemos, baseado no "respeito e garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais". (art. 2º da CRP)

Acresce que a interpretação dada ao
art. 179º do CPP, pelos Venerandos Juízes Desembargadores, é ainda claramente ilegal face ao disposto no art. 8º ("Direito ao respeito pela vida privada e familiar") da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, assinada e ratificada pelo Estado português e de aplicação directa no ordenamento jurídico interno desde 9-11-1978, de acordo com o disposto no art. 8º nº 2 da CRP.

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