sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Nem tudo o que reluz é ouro...

Vivem-se momentos conturbados no seio da Ordem dos Advogados. Assiste-se a uma verdadeira crise institucional, segundo alegações de alguns Colegas. Os Conselhos Distritais estão de costas voltadas para o Bastonário (ou vice-versa, dependendo das perspectivas e da tomada de posições).

A este respeito, se é certo defender a harmonia, cooperação e respeito entre os vários orgãos institucionais da O.A. , também não será errado tomar em conta os próprios Estatutos e não olvidar as competências aí previstas e conferidas a cada um deles.
"Suum cuique!" - já ensinava Cícero - , ou seja, " a cada um o seu"!

E errado também não será questionar se, no seio institucional da O.A., o costume e os usos são fonte interna de direito...

Questão controversa - por um lado intimamente conexa à alegada crise institucional e por outro apenas superficialmente, pois a crise a ela não se resume, sendo apenas a ponta de um imenso véu - é o afastamento dos Advogados Estagiários do sistema de acesso ao direito e aos tribunais, em todas as modalidades de prestação de serviços que não a designação para consultas jurídicas. Acesas e calorosas discussões se têm gerado em torno do recente e polémico Regulamento nº 330-A/2008 , de 24 de Junho.

O Exmo. Senhor Bastonário alega que todos os cidadãos têm direito de acesso aos tribunais, a uma Justiça condigna e a um patrocínio judiciário efectivo, levado a cabo por profissional tecnicamente qualificado e apto, capacitado para defender o melhor possivel os interesses de quem patrocina. Todos os cidadãos têm direito a um advogado (com inscrição na O.A. enquanto tal), independentemente das suas capacidades económicas. Todos os cidadãos têm direito a um advogado independentemente de o mandatarem ou de lhes ser nomeado no âmbito do apoio judiciário. Todos os cidadãos devem ser juridicamente assistidos por profissional com experiência prática no foro e capacidade jurídica para defender verdadeiramente as diversas posições jurídicas subjectivas. Ora, os Advogados Estagiários não terão tal capacidade sendo clara a sua inexperiência prática (inerente ao seu próprio estatuto de estagiários!).
Como "arma de defesa" contra quem "ataca" a sua posição, o Exmo. Senhor Bastonário muniu-se de um parecer jurídico, solicitado ao ilustre constitucionalista Prof. Doutor Vital Moreira, sobre a participação de Advogados Estagiários no sistema de apoio judiciário e no qual se considera tal participação como claramente ilegal, por violação dos princípios constitucionais vertidos no 20.º‐2, 32.º‐ 3 e 208.ºda CRP, conjugados com os arts. 13.º e 18.º da CRP.

Não vou discutir a posição ou os seus argumentos!

Que TODOS devem ter direito à justiça, aos tribunais e à melhor defesa dos seus interesses jurídicos, parece-me ser opinião unânime. Contudo, nunca gostei ou fui apologista de generalizações. Exmo. Senhor Bastonário... existem advogados estagiários e... Advogados Estagiários... assim como existem Advogados e advogados!
Cair em generalizações é um trilho fácil... mas sombrio e enganador. Não é a primeira vez que o afirmo.

Por sua vez, inúmeros Advogados Estagiários, espalhados por variadíssimas Comarcas do país, repudiam a posição do actual Bastonário da O.A., argumentando que é ilegal (por contrária aos Estatutos da O.A.) e que acarreta consequências perniciosas, retirando aos Estagiários o único rendimento de que dispunham - as defesas oficiosas - , tendo inclusive a Associação Nacional dos Jovens Advogados Portugueses dado entrada, junto Tribunal Administrativo, de
"requerimento para instauração de acção de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral, nos termos dos artigos 72.º e ss. do CPTA" . Ao parecer jurídico do Prof. Doutor Vital Moreira "respondem", com o apoio de retaguarda de alguns orgãos da O.A., com a inviabilidade de, ao considerar o patrocínio judiciário efectuado por Advogado Estagiário como inconstitucional, sendo inconstitucionais todas as normas que o fundamentam (nomeadamente as do EOA), se ter que reabrir inúmeros processos judiciais, provocando - ou melhor dizendo aumentando - o caos na justiça portugesa!

Note-se que os Advogados Estagiários e a ANJAP (e alguns orgãos da OA) não refutam a inconstitucionalidade, nem não articulam fundamentos a favor da constitucionalidade do patrocínio judiciário exercido por Advogado Estagiário, limitando-se apenas a alertar para os perigos latentes que poderão advir, caso a questão seja suscitada junto do Tribunal Constitucional e este se pronuncie pela inconstitucionalidade.

Com o devido respeito, não me parece que seja argumento legítimo o
"deixar estar como está porque se mexer pode doer"! Não me conformo em ser apologista de algo ilegal e inconstitucional, tendo como fundamento o não desorganizar um sistema errónea e ilegalmente instituido no passado! E salvo melhor entendimento, também não me parece que deva ser esse o trilho e o lema da Ordem dos Advogados!
Se um dente está infectado com cárie, não nos podemos coibir de ir ao dentista e de o tratar, mesmo que isso acarrete alguma dor ou mau estar, sob pena de que, se não o fizermos, o dente acabará por apodrecer e morrer!

A posição do Exmo. Sr. Bastonário e a dos Advogados Estagiários já foi frisada, mas por outro lado, temos o comum do cidadão: o que assiste - por fora - a toda esta polémica. Esse decerto cogitará que a
"corrida às defesas oficiosas" mais não é que uma luta pela "galinha dos ovos de ouro"!

"Non omne quod nitet aurum est", ou seja, "nem tudo o que reluz é ouro"!

Desengane-se quem assim pensa...
Pessoalmente e excluindo toda a polémica até agora gerada, entendo que os Advogados Estagiários deveriam eles próprios renunciar ao exercício do apoio judiciário nos moldes em que anteriormente o vinham exercendo. Não os dignificava!
Se é certo que as "defesas oficiosas" era para alguns o único rendimento, certo será de igual modo que tal rendimento era, por natureza, desprestigiante e injusto face ao valor auferido. O facto de, no âmbito do apoio judiciário, o art. 2º nº 2 da Portaria nº 1386/2004 reduzir os honorários dos Advogados Estagiários para 2/3 do valor que deveria ser auferido por Advogados, não é dignificante nem justo! Por trabalho igual, deveria haver remuneração igual! Pagar apenas 2/3 do que se pagaria a um Advogado parece alimentar uma justificativa ilegítima para os Advogados Estagiários apenas pedirem
"a já acostumada Justiça"!
Nos moldes em que se encontrava previsto, o apoio judiciário patrocinado por Advogados Estagiários aproveitava, não aos cidadãos, não aos estagiários, mas sim ao próprio Estado que, imbuído por um espírito economicista, via nos Advogados Estagiários uma forma de "poupar" na atribuição da Justiça e na concretização de deveres e direitos constitucionalmente consagrados. E foi imbuido desse mesmo espírito economicista que, tentando ainda "achincalhar" mais a dignidade e o prestígio dos profissionais do foro, foi publicada a 1ª versão da Portaria nº 10/2008 de 3 de Janeiro, fixando valores irrisórios a atribuir como honorários no âmbito do apoio judiciário. Valeu a força da Ordem dos Advogados (unida) para se proceder às posteriores alterações através da Portaria nº 210/2008 de 29 de Fevereiro!
Também os Advogados Estagiários devem lutar e protestar pelo direito à dignificação do seu estatuto. Por trabalho igual, remuneração igual! Se renunciassem ao exercício de serviços no âmbito do apoio judiciário de livre e expontânea vontade, de cabeça erguida, seria bem mais dignificante e poderia servir de estandarte na luta contra a desigualdade!

Mas os "espinhos" e injustiças do sistema do apoio judiciário para os Advogados Estagiários não se consubstanciava apenas à redução dos honorários a 2/3 dos auferidos por Advogados. Subsiste ainda a problemática dos honorários devidos serem pagos por vezes cerca de 2 anos depois da prática dos actos ou diligências judiciais.Mas esse é um problema que não afectava apenas os estagiários. Também os Advogados sofriam e continuam a sofrer dos atrasos, inconsequentes para o Estado, no pagamento dos honorários devidos, pelo que haverá decerto outra oportunidade para reflectir e dissertar sobre o tema.

Uma nova luta se propõe ao Exmo. Senhor Bastonário e a todos os Advogados que prestam serviços no âmbito do apoio judiciário.


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