quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Violência doméstica

Hoje li (aqui) que, só nos primeiros seis meses deste ano, apenas no Distrito Judicial de Lisboa e sem contabilizar o resto do país, já foram apresentadas mais de 4.000 queixas por violência doméstica.

É um indicador de duas realidades distintas:

1. As vítimas de violência doméstica já não gritam em silêncio. Perderam o medo de se fazerem ouvir. De participarem os seus lamentos (ou pelo menos, de verem denunciadas as suas situações, visto a desnecessidade actual de formularem queixa, bastanto tão só que alguém denuncie - em briga de marido e mulher... já se mete a colher!).
Apresentam queixas crime nas competentes instituições para o efeito. Tentam fazer valer os seus direitos, nomeadamente o direito a uma vida digna, à liberdade, à segurança pessoal e à integridade física e moral ( art. 3º da DUDH e artigos 25º, 26º e 27º da CRP)

2. Os processos judiciais,os tribunais, a justiça e a lei portuguesa parecem ineficazes para coibir e afastar os agressores da prática contínua do crime de violência domêstica, p. e p. no art. 152º do Cód. Penal.

Será por a lei ser demasiado branda com os agressores, estatuíndo uma pena de prisão que, preventivamente, não inibe os agressores de reincidirem na prática de tais actos?

NÃO aparenta ser essa a causa da ineficácia preventiva do disposto no art. 152º do CP.

Comparemos com o Direito Brasileiro:

- face aos inúmeros casos de violência doméstica registados, em 7-08-2006 (precisamente há 2 anos atrás!), é decretada a l
ei nº 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha em homenagem à biofarmacêutica com o mesmo nome, vítima por 2 vezes de tentativa de homicídio por parte do marido, uma das quais durante o sono e que a deixou parapégica, tendo o agressor só sido punido depois de 19 anos de julgamento e cumprido apenas 2 anos de prisão em regime fechado.

- nesse mesmo diploma estabelece-se que o agressor poderá ser detido em flagrante delito e ser decretada a sua prisão preventiva. Aumenta-se a a moldura penal de um máximo de 1 ano para 3 anos de prisão e preveêm-se medidas acessórias que vão desde a saída do agressor do domicílio à proibição de se aproximar da vítima ou filhos.

Ora, comparando com a legislação penal portuguesa, poderemos afirmar que a Lei Maria da Penha é mais branda na punição, mas mais severa em termos preventivos.

Vejamos a lei portuguesa:

- estabele-se uma moldura penal de 1 a 5 anos de prisão (que em casos especiais e mais gravosos poderá ir até um máximo de 10 anos de prisão!) - art. 152º do CP
- prevê-se igualmente a possibilidade de aplicação de penas acessórias ao agressor, nomeadamente o "afastamento da residência";
- também o agressor poderá ser detido em flagrante delito, nos termos do art. 255º e 256º do CPP ;

contudo, na generalidade dos casos, não poderá ser aplicada ao agressor, no crime de violência doméstica, a prisão preventiva!

O art. 202º nº 1 al. a) do CPP apenas possibilita a aplicação da prisão preventiva em crimes dolosos puníveis com pena de prisão de máximo superior a 5 anos e a moldura penal do art. 152º do CP apenas vai até aos 5 anos de prisão, não os ultrapassando! Apenas nas especificidades previstas no art. 152º nº 3 do CP a prisão preventiva poderá ser decretada, ou seja, quando o agressor ofenda gravemente a integridade fisica a vítima ou lhe cause a morte!

Em suma, no ordenamnto jurídico português a não possibilidade de aplicação da prisão preventiva aos agressores, nos crimes de violência doméstica, poderá surtir um sentimento de intocabilidade, impunidade e irresponsabilidade criminal.

A esse factor poderemos ainda aditar a demora da Justiça, no apuramento de responsabilidades, no julgamento dos factos e no efectivar das punições. Desde a data dos factos até ao efectivar das consequentes punições, poderão decorrer vários anos, sem que o agressor "sinta" que os seus actos são errados e criminalmente puniveis, sentindo-se impune e não se inibindo de reincidir na prática dos mesmos.


Nenhum comentário: