segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Pacta sunt servanda versus Rebus sic stantibus

Suponhamos que um famoso e muito cobiçado jogador de futebol, com contrato de trabalho desportivo assinado com um clube por X épocas desportivas, recebe uma proposta deveras aliciante (milionária até!), por parte de um outro clube desportivo, para assinar contrato e lá jogar as próximas época, acrescendo ainda o facto de aquele ser o sonho de uma vida do dito jogador.

Tudo isto num plano meramente hipotético... claro!

Deveria o dito jogador cumprir o contrato outorgado com o primeiro clube e ficar lá as restantes épocas desportivas, conforme havia sido firmado no contrato, ou deveria ceder aos seus desejos, rescindir o actual contrato e assinar outro pelo novo clube?

Muitas mentes cogitarão (nem que seja no seu intímo) que é dever moral do jogador ficar e cumprir o contrato que assinou até ao fim! "Um homem de palavra age assim" - dirão!

E juridícamente? O que diz o direito? Normas morais pouco dizem a um direito, por regra, amoral...

Não avançando pela Lei nº 28/98 de 26-06, que estabelece o Regime Jurídico dos Contratos de Trabalho Desportivos, vigente em Portugal, ou até pelas leis da FIFA, mas tratando-se acima de tudo de questões obrigacionais decorrentes de contratos firmados, parece-me que se impõem alguns esclarecimentos a este nível.


"Pacta sunt servanda" aclama-se desde Roma Antiga! Ou seja: os pactos devem ser respeitados; os contratos existem para serem cumpridos!

É o princípio geral da força obrigatória das obrigações contratuais, segundo o qual as partes estão imperativamente vinculadas ao que ficou cláusulado no contrato como se normas legais fossem. Depois de celebrado, com observância de todos os requisitos de forma e substância, objectivos e subjectivos, necessários à sua validade, os contratos devem ser executados pelas partes como se de preceitos legais imperativos se tratassem.

É o que estabelece o art. 406º nº 1 do Cód. Civil: o contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.

Ou nos casos admitidos na lei...

Ora, o art. 437º do mesmo diploma legal parece admitir precisamente isso. Admite que o contrato possa não ser cumprido ou, pelo menos, que as suas cláusulas, tal como foram estabelecidas inicialmente, possam ser modificadas.

Acolhe-se assim na legislação portuguesa, em matéria de direito obrigacional contratual, o princípio "Rebus sic stantibus" ou a Teoria da Imprevisão, que permite que, devido a essa mesma imprevisibilidade, um pacto ou contrato possa ser alterado ou resolvido sempre que as circunstâncias que envolveram a sua formação não sejam as mesmas no momento da execução, de molde a prejudicar uma parte em benefício da outra.

"Rebus sic stantibus" é assim uma excepção ao "Pacta sunt servanda" e nem sempre os contratos têm de ser cumpridos.

Mas por haver essa mesma possibilidade de os contratos não serem cumpridos é que as partes podem (devem), e têm por uso, estipular cláusulas penais que prevêm a rescisão unilateral contrato por uma das partes.

Dispõe o art. 810º do C. Civil que as partes podem fixar por acordo o montante de indemnização exigível no caso de não cumprimento do contrato.

As cláusulas de rescisão constantes de inúmeros contratos de trabalho desportivo mais não são do que cláusulas penais que visam isso mesmo: fixar o valor da indemnização exigível pela resolução do contrato e pelo seu não cumprimento.

Em suma: os contratos nem sempre têm que ser cumpridos e as partes podem acautelar (e acautelam!) essa possibilidade através das cláusulas penais.

Relativamente ao caso suscitado, não se me afigura coerente obrigar coercivamente o jogador a cumprir o contrato até ao fim. Pode o mesmo desvincular-se, rescindido com o clube que primeiramente o contratou, alegando alteração de circunstâncias, que no momento da formação do contrato de trabalho não existiam e eram imprevisíveis ( um convite para jogar no clube em que sempre sonhou jogar e com uma remuneração multimilionária!).

Não vejo também qualquer coerência e interesse, por parte da entidade patronal em obrigar o jogador a jogar onde ele não quer jogar, a "defender uma camisola" que ele não quer defender! Parece-me que está aqui em causa uma alteração de circunstâncias que fundamentam a resolução unilateral do contrato (rescisão) por parte do jogador.

Se essa rescisão está devidamente acautelada com uma cláusula de penal (cláusula de rescisão), então ainda mais legitimidade me parece deter o jogador para rescindir.

Rescinde e paga a cláusula de rescisão estipulada. O clube que o irá futuramente contratar paga o preço que tiver que pagar para comprar "o jogador".

O jogador fica contente porque vê os seus desejos realizados.
O clube com o qual primeiramente contratou vê todos os seus direitos acautelados e efectivamente pagos e fica sem um jogador desmotivado, contrariado e com quebra de rendimento em campo.

Tudo isto num plano meramente hipotético... claro!


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